Wednesday, October 23, 2019

mnpf! #2 especial siará



mais nordeste, por favor! #2 especial SIARÁ foi editado por adelaide ivánova e antônio lacarne, entre agosto e outubro de 2019, durante as queimadas na floresta amazônica e o vazamento de óleo nas praias do nordeste – que já se tornou o maior desastre ambiental da costa brasileira. ambos são culpa do governo criminoso de jair bolsonaro, e do capitalismo global extrativista, do qual bolsonaro é representante pau-mandado.



a arte da página 11 é uma releitura carinhosa da ilustração 
“o grande rio”, do artista leonilson (ceará, fortaleza, 1957-1993).
o rio jaguaribe é bem grande, 
corta o ceará todinho,
mas dá uma passadinha em exu,
a cidade onde luiz gonzaga, o maior poeta de todos,
nasceu. 


para essa edição, prescindimos, no último minuto, de editorial, que substituímos pela fala de vandécio, trabalhador pernambucano, publicada no dia 20 de outubro pela plataforma SALVE MARACAÍPE. acreditamos que a fala de vandécio resume todo o absurdo da situação, e expoe a necessidade do acirramento da luta de classes e do nosso engajamento na construção do ecossocialismo.

quando se fala em genocídio da juventude negra, é importante apontar que a maioria percentual dos jovens negros vítima da necropolítica brasileiras está no nordeste ("os cinco estados com maiores taxas de homicídios de negros estao localizados no nordeste"). isso, somado aos vazamentos e à negligência do poder público e da opinião pública em relação ao óleo, são um caso escancarado de racismo ambiental ("o que é racismo ambiental?").

enquanto isso, os partidos de esquerda (inclusive o psol, ao qual sou filiada) têm feito muito pouco para além de bradar nas redes sociais que bolsonaro é criminoso e que o ministro é incompetente (e protocolar uma e outra coisa, aqui e ali, a portas fechadas, sem ou com pouca participação dos REAIS atores sociais dessa tragédia: os/as profissionais da pesca).

mas é preciso MUITO mais do que isso. os partidos, que têm recursos materiais para mobilizar e organizar, precisam estar na linha de frente, organizando a militância para ir aos locais e ajudar os afetados na limpeza das praias, coletar e entregar doacoes, convocar um protesto interestadual. pressionar o ministro e solicitar ajuda da marinha é importante. mas o mais importante é incomodar e sacudir os centros do capitalismo - isso só se faz com maioria organizada e mobilização.

quando começamos, em 2018, a organizar a primeira greve feminista alemã desde 1994, para o ano de 2019, os partidos alemães bradavam que a gente não podia fazer isso, porque uma greve política é ilegal na alemanha. e daí? se as mulheres nos hospitais públicos já estavam se auto-organizando e convocando a greve? o resultado é que, mesmo com o apoio malamanhado dos partidos, milhares de mulheres aderiram à greve como podiam, e foram aos protestos.

relatamos esse exemplo porque alguns representantes dos partidos têm tomado posição semelhante, no que diz respeito aos vazamentos. não é aceitável que eles digam "aim mas é o governo federal quem tem recursos para parar os vazamentos". baby, as pessoas já estão nas praias se queimando de óleo. a diferença é se os partidos se juntam, ou se ausentam. e a segunda opção não deve ser aceitável.

diante disso, estamos cientes de que não devemos romantizar a mobilização dos civis que estão limpando óleo com as próprias mãos - até porque, passada a comoção inicial, os estudantes universitários, ativistas e ambientalistas de ocasião voltarão pras suas casas na capital e quem vai ficar por conta própria são os/as trabalhadores da orla e os/as profissionais da pesca - pescadores e coletadores - com seu modo de sustento ameaçado e talvez até totalmente destruído.

PORÉM.

a narrativa hegemônica da história do "brasil" (o pós-invasão portuguesa), dominada pelo sudestinismo esbranquiçado, baba-ovo de europeu, tende a apagar completamente nordestinas e nordestinos enquanto sujeitos revolucionários. o homem coletivo sente a necessidade de lutar, lembram? esse zine é um pouco sobre isso. para ler o editorial da primeira edição, na qual essa questão é mais aprofundada, clique aqui.

o mais nordeste, por favor! #2 especial siará é gratuito, mas incentivamos os leitores e as leitoras (que tenham um $inho sobrando) a fazerem doacoes para a campanha de financiamento coletivo de limpeza das praias no nordeste

a capa consiste de uma lista com algumas das mais de 200 praias nordestinas afetadas.

você pode baixar seu exemplar em dois formatos:

para imprimir em casa
ATENÇÃO na hora de imprimir:
selecionar a opção imprimir frente-e-verso/inverter páginas na borda curta


para visualizar na web


biografias (por ordem de aparição)

VANDÉCIO SEBASTIÃO DE SANTANA - pernambuco, cabo de santo agostinho, 1983
É um trabalhador. Vive de bicos ligados ao mar e ao turismo ecológico há seis anos, quando ficou desempregado após trabalhar como operador de emergência de vazamento de óleo em uma empresa de análise de qualidade de água. Leia mais sobre Vandécio aqui.

JULIANA FARIAS DE SOUZA – ceará, sobral, 1998.
É poeta, estudante de Letras e publica seus poemas no facebook.

FELIPE ANDRÉ SILVA – pernambuco, recife, 1991
É poeta e cineasta. Lançou as plaquetes 'o escritor antônio xerxenesky' e 'o aniversário de billie eilish'. Quer ser editado.

FELIPE SARAIVA – ceará, fortaleza, 1993
É escorpiano e tutor de três gatos. Também graduado em Comunicação Social, dispõe as brechas de seu tempo entre a literatura e a fotografia. Atualmente, publica – ou tenta publicar – crônicas semanais na plataforma Medium e vem planejando um livro de poesia.

PATATIVA DO ASSARÉ – ceará, assaré, 1909–2002
Poeta popular, compositor, cantor e improvisador. Ingressou na escola aos 12 anos, quando começou a escrever poesia. Aos 16, ganhou uma viola da mãe e deu início à criação de repentes. Um de seus poemas mais conhecidos, “A triste partida”, foi cantado por Luiz Gonzaga.

MIKA ANDRADE – ceará, quixeramobim, 1990
É poeta e contista. publicou: 'alguns versos pervertidos e outros indecorosos', 'descompasso' e 'poemas obsessivos'. participou da 'antologia de contos – literatura br', da 'coletânea de contos do sesc vol. iv e em 2019 organizou a antologia erótica de poetas cearenses, O olho de Lilith.

TASSYLA QUEIROGA – paraíba, sousa, 1987
Poeta nascida no sertão. Viajante inquieta. Dividida entre Literatura e Direito, com poemas publicados nas Revistas Garupa, Gueto, Diversos Afins e Ruído Manifesto. O primeiro livro de poemas será lançado em outubro pela Edições Macondo.

ANA MONTENEGRO – ceará, quixeramobim, 1915–2006
Jornalista, poeta, feminista, militante comunista pelo PCB. Foi a primeira mulher exilada da ditadura, passando pelo México, Cuba e Berlim. Publicou livros como: “Mulheres – participação nas lutas populares”, “Uma história de lutas”, “Ser ou não ser feminista”, “Tempos de exílio”.

RAISA CHRISTINA – ceará, quixadá, 1987
É artista visual, escritora e educadora, mestra em Artes pelo ICA-UFC, com pesquisa "Olhares suspensos: Desenho partilhado com jovens skatistas e seus percursos errantes em Fortaleza". Em 2019, é a autora convidada do projeto Arte da Palavra - Rede SESC de Leituras. Esse é seu site.

ISABEL BARROS – ceará, quixeramobim, 1954
É poeta e artesã. Ainda criança, foi levada da sua casa para trabalhar como empregada doméstica numa casa de família, situação análoga à escravidão, pois nunca recebeu salário. Aos 50 anos, passou a frequentar a escola mais próxima, onde se alfabetizou e começou a escrever poemas.

obs: dona Isabel nos mandou seus poemas por áudios de whatsapp (clique aqui para ouvi-los). Agradecemos a Ivna Girão e ao Coletivo Nigéria, por nos ajudar a achar e entrar em contato com a poeta. 

ÉRICA ZÍNGANO – ceará, fortaleza, 1980
É poeta. Seu último livro é o livro coletivo eine Sache für eine andere, com participacao de diversos autores. Em 2018, ganhou o prêmio/bolsa de trabalho “literatura de língua não-alemã” do Estado de Berlim. Depois de quase oito anos morando fora do Brasil, em 2019 decidiu voltar.

DEAN OLIVER – ceará, maracanaú, 1994
Formado em Filosofia (UFC) e escreve poemas. Já foi professor e agora trabalha como barista. Louco por arte nas suas mais variadas formas e eternamente acompanhado de um auto sabotador imbatível.

KARINE ALEXANDRINO – ceará, fortaleza, 1974
É cantora, compositora, performer e poeta. Lançou os álbuns “Solteira Producta” (2002), “Querem acabar comigo Roberto” (2004) e “Mulher Tombada” (2015). Em 2019 completa 25 anos de carreira na música.

VITÓRIA RÉGIA – ceará, fortaleza, 1991
É professora de língua portuguesa, tradutora e escritora. Publicou os livros de poemas Partida de não dizeres (Editora Substânsia, 2015) e Náutico (Editora Patuá, 2018). O poema que usamos no zine apareceu antes na revista Literatura.br.

LEVI MOTA MUNIZ/DEBBIE BANIDA DEBANDADA – ceará, fortaleza, 1996
É artista não-binário/travesti. Realiza investigações artísticas em diversas áreas e é mestrando em Arte da UFC, onde se graduou em Teatro-Licenciatura. Na escrita, estuda as relações entre auto-ficção e escrita performativa, se debruçando, sobretudo, nos temas de gênero, violência e ecologia.

CANDIDO ROLIM – ceará, várzea alegre, 1965
É poeta, crítico, fotógrafo e músico amador. Alguns livros publicados: Arauto, Exemplos alados, Pedra habitada, Fragma, Camisa qual, Orumuro & Remerzbau (em parceria com Ronald Augusto e Ricardo Pedrosa Alves) e o mais recente, Sutur, saiu em 2018, pela editora Território.

NARA SOUSA – ceará, caucaia, 1994
É poeta.

MAILSON FURTADO – ceará, cariré, 1991
É escritor, ator, diretor, dramaturgo, produtor cultural e cirurgião-dentista. Seu livro “À cidade” foi vencedor nas categorias de livro do ano e poesia no Prêmio Jabuti 2018. Em Varjota, lidera a companhia teatral Criando Arte.

PAULO AUGUSTO – rio grande do norte, pau dos ferros, 1950
É poeta e jornalista, autor de apenas um livro de poemas, Falo (1976) e Estilhaços de Um País-Geni (1995), crônicas e ensaios. O poema que utilizamos na zine apareceu antes na revista Modo de Usar & Co.

dos editores:
antônio lacarne é professor da rede pública cearense e escritor. publicou “Salão Chinês” (2014), “Todos os poemas são loucos” (2017) e “Exercícios de fixação” (2018).
adelaide ivánova é jornalista e ativista política. filiada e militante do psol e do die linke. ganha a vida como baby-sitter, garçonete, vendedora, seguranca de teatro, modelo-vivo e outros trabalhos precarizados. em 2018, seu livro "o martelo" ganhou o prêmio rio de literatura.

Tuesday, October 22, 2019

EU TAMBÉM QUERO FAZER OCEANOGRAFIA (e aí?)


fala de Vandécio Sebastião de Santana
publicada no instagram da plataforma salve maracaipe


O óleo estava ali.
Estava entrando no mar
E daqui a três meses?
E daqui a seis dias?
O marisco vai estar poluído, é?
A gente vai morrer por causa do marisco, é?
A gente vai morrer por causa do peixe é? Que está poluído?
A gente podendo conter o óleo agora ali.
Qual foi a de vocês?
Qual foi a de vocês?
Qual é?
Eu também quero fazer oceanografia, pô.
Tenho uma dificuldade do caralho.
Já morei em Recife.
Pra estudar.
E não consegui terminar.
E aí?
Sou nascido e criado aqui, na praia.
Qual foi a de vocês?
O que é que vocês querem?
Quer comer peixe poluído, é?
Quer comer marisco poluído, é?
Quer comer ostra poluída, é?
Eu já tirei quase duas toneladas dum cacho de ostra, do manguezal.
E aí?
Vai ficar assim, olhando, é?
A gente treinou isso lá em Abrolhos, em 2012.
Com helicóptero.
Com navio-prancha.
Com navio de contenção.
Com barreira de contenção de mais de dois metros.
As barreiras têm que ser off-shore.
Porque esse óleo está vindo off-shore.
Esse óleo não está vindo de Porto, não.
Tem que fazer essa contenção lá no off-shore.
Tem que fazer essa contenção lá no off-shore.
Lá em Muro Alto.
Lá em Maracaípe, tem que fazer essa contenção.
E vocês aí.
Achando que esse trabalho de areia está sendo suficiente.
Não está, não, minha gente.
Esse trabalho é o último.
Desde cedo que eu continuo a dizer.
Esse trabalho de areia é o último.
O último trabalho.
O trabalho primeiro é lá, no off-shore.
É lá, off-shore.
Meu nome é Del, Vandécio Sebastião de Santana.
Sou nascido e criado aqui.
Já trabalhei em hotel, nem hotel tem mais.
As quadras de tênis estão ali, abandonadas.
Na praia de Suape.
Entendeu?
Vocês têm que agir agora.
Quem é do órgão ambiental,
Quem é da prefeitura:
Tem que agir agora.
A gente tem várias empresas, pô.
Lá em Abrolhos a gente contratou as marisqueiras, contratou os barcos,
os pescadores:
Todo mundo recebeu.
Todo mundo trabalhou bonito, no simulado.
E agora está acontecendo na hora real.
Está acontecendo real.
Agora.
Eu não estou falando palavrão.
Eu não estou falando esculhambado.
Eu não estou xingando ninguém, não.
Eu estou querendo que todo mundo ajude a natureza, minha gente.
Ajuda a natureza.
Daqui a um ano vocês estão lá em Miami comendo peixe do Brasil.
E o peixe vai estar poluído.





Sunday, July 21, 2019

mais nordeste, por favor! (edição #1 e chamada pra edição #2)



em maio de 2019, dei um workshop sobre poesia, movimentos sociais e revolução no nordeste brasilayro, no congresso de estudos latinoamericanos na universidade de colônia. como material didático usei, entre outras coisas, o grande zine MAIS NORDESTE, POR FAVOR!, nova publicação da bola.gato edições. em julho de 2019, esse zine fica um pouco mais relevante, considerando que o "presidente" da república não sabe que paraíba é um (grande) estado, e que o nordeste é uma região do brasil, com 9 estados e 56 milhões de habitantes. somos a segunda maior população do brasil, com o menos IDH do país. mas isso vai mudar.


mnpf! #1 tem poemas de
Bell Puã – Pernambuco, 1993
Carlos Marighella – Bahia, 1911-1969
Chico Science – Pernambuco, 1966-1997
Cícero de Souza – Pernambuco (?)
Etelvina Amália de Siqueira – Sergipe, 1872-1935
Luis Gomes – Alagoas, 2000
Luiza Amélia de Queiroz – Piauí, 1838-1898
Luiza Cantanhede – Maranhão (?)
Nazaré Flor – Ceará, 1952-2007
Mestre Galdino – Pernambuco, 1929-1996
Regina Azevedo – Rio Grande Do Norte, 2000
Vitória Lima – Paraíba, 1946

mais dois poemas de autoria coletiva, que fazem parte dos repertórios dos encontros do MIQCB (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu), criado em 1995, e do MMTR-Ne (Movimento Da Mulher Trabalhadora Rural Do Nordeste), criado em 1984.



trecho do editorial:
"o Nordeste brasileiro sempre produziu uma análise de mundo própria para sua realidade, que é até hoje relegada às margens da academia, como se fosse subalterna. além disso, o posicionamento político do sujeito Nordestino, historicamente ligado a auto-organização e a levantes populares, é insistentemente ligado, hoje em dia, a um mito de antirracionalidade. no seu texto 'razão não depende da geografia', a jornalista e socióloga pernambucana fabiana morais vai dizer que 'no imaginário nacional, o Nordeste segue como a terra que vota com o estômago'".




clique na foto para baixar a versão para visualização na web

clique na foto para baixar a versão para imprimir
(para imprimir certinho, na ordem bonitinha:
selecionar opção para imprimir em frente verso,
e para girar no canto mais curto da página)




ATENÇÃO PARA A CHAMADA PARA EDIÇÃO #2
linha editorial: poemas de pessoas nascidas no país nordeste. tema livre.
deadline: 16 de agosto (dia do aniversário de madonna)
email pra envio: bolagato.edicoes@gmail.com
especificações: mandar todo o material num único doc., nomeado com seu nome artístico. textos enviados no corpo do email não serão considerados.
material: até cinco poemas (A4 em times new roman 12, espaçamento simples) mais uma biografia curta (de até 5 linhas).


Monday, May 06, 2019

arte pros 99 por cento

. essa é uma tradução de adelaide ivánova pro artigo "art for the 99 percent", de luke savage, publicado em maio de 2019 na revista jacobin. link pro texto original: https://jacobinmag.com/2019/05/wealth-art-creativity-resources-redistribution


cartaz de "on the road" filme de walter moreira salles, "o cineasta mais rico do mundoe que, junto com seu irmãos, possui um patrimônio estimado em 62 bilhões de reais, vindo de investimentos em bancos e monopólio no setor de metalurgia e mineração. walter salles também é um dos donos do instituto moreira salles (RISOS).



ARTE PROS 99 POR CENTO

Jovens ricos têm muito mais propensão a virarem artistas. E esse é o motivo pelo qual o capitalismo não dá a todos nós a liberdade de atingir nosso potencial criativo

Se sua família tem dinheiro, você tem mais chances de virar artista. Uau que surpresa.

Isso é o que mostra um estudo publicado em fevereiro de 2019 pelo professor Karol Jan Borowiecki, da Univesidade do Sul da Dinamarca. Ao examinar os dados dos sensos dos EUA, desde 1850, a pesquisa de Borowiecki identifica e documenta várias tendências -- demográficas, geográficas e sócio-econômicas -- no desenvolvimento das profissões criativas.

As conclusões do estudo não são particularmente impressionantes, mas ainda assim são dados interessantes, dada a meticulosidade dos detalhes envolvidos em qualificá-las. Nas palavras de Borowiecki:

A proporção de criadores mulheres é relativamente alta, falta de tempo pode ser um obstáculo para realização de uma ocupação criativa, desigualdade racial é real e muda muito lentamente, e educação tem um papel significativo para se assumir uma ocupação criativa. 
Talvez a coisa mais importante do estudo é descobrir que, juntamente com [acesso à] educação, a riqueza da família de uma pessoa tem um grande papel na hora de determinar a possibilidade de alguém se tornar artista ou criador profissional. A quantificação desse pensamento expoe a extensão alarmante com a qual riqueza determina a profissão de uma pessoa.

De fato, as descobertas de Borowiecki sugerem que ter US$ 10 mil de renda familiar total torna uma pessoa cerca de 2% mais propensa a buscar uma ocupação criativa -- o que significa dizer que uma pessoa que vem de uma família que vale US$ 1 milhao tem vinte vezes mais chances de se tornar um artista do que aquele cuja família vale US$ 100 mil. (Isso não significa, óbvio, que a maioria dos artistas sejam pessoas ricas -- o estudo também mostra que as rendas dos trabalhadores de arte tendem a ser mais baixos que a média).

A pesquisa de Borowiecki pode ser usada pra simplesmente confirmar uma já existente e entediante caricatura do artista como um ser privilegiado, educado e vindo de antecedentes abastados, que curte uma vida mansa. Lida dessa forma, a pesquisa pode reforçar um antiquado ressentimento de classe. Afinal de contas, faz tempo que membros da burguesia adotaram as artes -- tanto como distração divertida pras suas vidas aconchegantes, quanto como um jeito de consumir amostradamente.

Mas há ainda, para nós, uma forma menos invejosa e potencialmente mais construtiva de interpretar [os dados]. Se a atividade criativa está relacionada à educação, segurança econômica e direito a ter tempo livre; e se essas coisas tendem a se corresponder com riqueza, então o problema não é nada dessas coisas em si, mas sim sua má-distribuição. Vista dessa forma, a descoberta de Borowiecki pode simplesmente complementar o argumento pró-socialismo democrático -- que, acima de tudo, quer oferecer tempo livre, educação, bem-estar material para todos, não somente para uns poucos privilegiados, como é nos tempos atuais.

Se ter tempo, boa educação e segurança econômica aumentam a chance de as pessoas seguirem seus impulsos criativos, essa é mais uma razão pelos quais estes devam ser tratados como direitos aos quais todos devem ter acesso. Liberdade real, afinal de contas, significa a habilidade de usar seu tempo como lhe der na telha -- pra escrever, pra pensar, pra pintar, pra fazer uma escultura ou pra não fazer nada em particular -- e, no capitalismo, os ricos parece term muito mais liberdade que o resto de nós. Mas não tem que ser assim.