Saturday, January 20, 2024

dias 6, 7 e 8, perto de girona

Vim para Catalunha rever meus amigos, os ex-guerrilheiros Nanda e Boni. Os dois trabalhavam em fábricas em Barcelona, nos anos 70, desde onde organizavam os trabalhadores na luta anarcossindicalista. Quando o cerco apertou, na reta final da ditadura franquista, eles entraram na clandestinidade e passaram a realizar ataques a bancos e carros-fortes, o que lhes rendeu a acusação do crime de terrorismo, e anos na prisão.

Boni foi enviado para uma cadeia comum, onde organizou os assim chamados “presos sociais”, em campanhas abolicionistas e antifascistas. Nanda foi enviada para uma prisão comandada por freiras católicas (“umas nazis”, nas palavras dela) e lá também organizou motins e greves de fome. Ao contrário de Salvador Puig, companheiro dos dois e condenado à morte por suas atividades políticas, o casal felizmente sobreviveu à ditadura mas, se estão vivos, é importante dizer, não foi graças à Lei da Anistia espanhola – foi pela própria luta antifascista.

Promulgada em 1977, a lei perdoa os crimes cometidos pelos militares durante os 36 anos de ditadura do general Francisco Franco. A ferida da execução de Salvador Puig Antich está aberta em muita gente que ainda vive, como Boni e Nanda, seus contemporâneos, seus amigos e descendentes. Conheci os dois em 2019, por acaso, quando passava pelos arredores de Amer, o pueblo perto de Girona onde eles vivem – e essa experiência, que não foi planejada, acabou sendo um giro importantíssimo na pesquisa sobre presos políticos para ASMA (que tem inclusive um poema dedicado a Salvador Puig).

Eu não os via desde 2019, e agora, ao visitá-los, as palavras terrorismo e anistia estavam na boca do povo, na Espanha, de novo, mas não por causa do legado do franquismo, e sim por causa de um político independentista catalão, Carles Puigdemont (natural de Amer e filho do padeiro), foragido da polícia espanhola, desde que encabeçou um referendo pela independência catalã, em 2017. Agora que há a possibilidade de uma anistia, juízes conservadores foram pra cima de Puigdemont para tentardesmantelar o processo, acusando-o de terrorismo.

Não nutro nenhuma simpatia por Puigdemont, mas ele certamente nao é terrorista. Além disso, lawfare é uma coisa deprimente e destrutiva onde quer que aconteça, da Espanha ao Brasil, e fez dessa uma parte meio triste da viagem. Como choveu bastante nos dias que estive com Nanda e Boni, ficamos o tempo todo em casa vendo as notícias. A sensação de estarmos andando em círculos (enquanto humanidade) foi muito opressora, como se o tempo não andasse pra frente.

O tempo que anda pra frente é o tempo de quem trabalha com o povo e com a terra, como Boni e Nanda que, ao serem soltos da prisão, trocaram Barcelona por uma vida no mato, onde cuidam da horta, da casa, e criam galinhas. No nosso último café da manhã, antes de eu pegar o trem pra Madrid, perguntei a Boni o que eles iam fazer naquele dia e ele disse: “o mínimo possível”. Perfeito.




saí de Marselha dia 18 cedinho e tava assim


quando cheguei em Amer, essas duas nuvezinhas
em forma de peixe

a padaria do pai de Puigdemont com cartazes
de liberdade para os presos políticos catalães
(Puigdemont está exilado na Bélgica mas outros foram presos 
por sua participação no referendo de 2017)

no trem de Girona para Madrid, assim

 E umas fotos de quando conheci Amer e Nanda e Boni, em 2019:


o cartaz com a cara de Puigdemont diz
no surrender

"exilados políticos em casa já!"

e Nanda colhendo umas frutinhas <3


 

 

 

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