Wednesday, February 14, 2018

Precisamos de um feminismo para os 99%. É por isso que entraremos em greve neste ano



. tradução do manifesto "We need a feminism for the 99%. That's why women will strike this year", de Linda Alcoff, Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya, Rosa Clemente, Angela Davis, Zillah Eisenstein, Liza Featherstone, Nancy Fraser, Barbara Smith e Keeanga-Yamahtta Taylor, publicado no The Guardian em 27 de janeiro de 2018
. traduzido por adelaide ivánova na série "é doutrinação esquerdista suficiente ou tá pouco?", inventada e liderada por ela mesma




marcha de 8 de março de 2017 em são paulo
em foto de santarosa barreto


Em 8 de março, entramos em greve contra a violência de gênero, contra os homens que cometem violência e contra o sistema que os protege 


No ano passado, no dia 8 de março, nós, mulheres de todos os tipos, fizemos passeatas, paramos de trabalhar e tomamos as ruas em 50 países em todo o mundo. Nos EUA, nos reunimos, marchamos, deixamos os pratos para os homens lavarem, tanto nas principais cidades do país, como nas menores. Nós fechamos três distritos escolares para provar ao mundo, mais uma vez, que, se somos nós que sustentamos a sociedade, também temos o poder de parar tudo.

8 de março está chegando e as coisas pioraram para nós como mulheres neste país.

Em um ano da administração do Trump, nós não somente sofremos abusos verbais e ameaças misóginas em declarações oficiais, como também o regime Trump implementou políticas que continuarão a nos atacar de maneira profundamente institucional.

A Lei de Cortes Fiscais e Emprego acaba com isenções que beneficiam trabalhadores com baixos salários, dos quais a grande maioria são mulheres. A Lei almeja acabar com o Medicaid e Medicare, os únicos dois programas que sobraram nesta cruel paisagem neoliberal, programas estes que apoiam os idosos e os pobres, os doentes e pessoas com necessidades especiais, o planejamento familiar e as crianças - e, portanto, as mulheres, que sao as que fazem o trabalho de cuidar destas pessoas. E enquanto a Lei retira o direito à saúde para crianças imigrantes, introduz o conceito de poupança para que "crianças não nascidas" possam ir à uma universidade no futuro [nota de Adelaide #1: nos EUA o ensino superior é privado e caríssimo], uma forma sorrateira de estabelecer por lei "direitos" da "criança não nascida", agredindo nosso direito fundamental de tomar decisões sobre nossos corpos.

Mas isso não é tudo.

Com estas múltiplas declarações de guerra abertas contra nós, não nos acovardamos. Nós lutaremos.

Quando, no fim do ano passado, mulheres com visibilidade pública e acesso à mídia internacional decidiram quebrar o silêncio sobre assédio e violência sexual, as comportas foram finalmente abertas e um fluxo de denúncias públicas inundou a web. As campanhas #Metoo, #UsToo e #TimesUp tornaram visível o que a maioria das mulheres já conhecia: seja no local de trabalho ou em casa, nas ruas ou nos campos, nas prisões ou nos centros de detenção, a violência de gênero, com seu impacto diferencial racista, assombra a vida cotidiana das mulheres.

O que também ficou claro é que o silêncio público sobre algo que sempre conhecemos, sofremos e lutamos contra, não existe simplesmente porque temos medo ou vergonha de falar: o silêncio é uma imposição. É imposto pelas leis do Congresso que fazem com que as mulheres passem por quase um ano de aconselhamento e mediação obrigatórios, se elas se atreverem a fazer uma queixa oficial. É imposto pelo sistema de justiça criminal que rotineiramente descarta a palavra das mulheres, usando camadas adicionais de intimidação e violência. Nas universidades, os administradores encontram jeitos espertinhos e "legais" para proteger a instituição e o estuprador, enquanto jogam as vítimas para os lobos. As bases racistas destes procedimentos legais exigem solução.

#Metoo, #UsToo e #TimesUp não expõem apenas indivíduos estupradores e misóginos, eles rasgaram o véu que esconde as instituições e as estruturas que protegem esses indivíduos.

A violência de gênero racial é internacional, e internacional deve ser também a luta contra ela. O imperialismo, o militarismo e o colonialismo dos EUA promovem a misoginia em todo o mundo. Não é por acaso que Harvey Weinstein usou a empresa de segurança Black Cube, composta por antigos agentes do Mossad e outras agências de inteligência israelenses, em seus longos anos tentando silenciar e aterrorizar as mulheres. Sabemos que o mesmo Estado que envia dinheiro a Israel para brutalizar o palestino Ahed Tamimi e sua família também financia as prisões nas quais mulheres afro-americanas como Sandra Bland, dentre outras, morreram.

Então, em 8 de março, vamos entrar em greve contra a violência de gênero - contra os homens que cometem violência de gênero e contra o sistema que os protege.

Acreditamos não ter sido por acaso que foram nossas irmãs em [mais alta] posição social que tornaram visível o que todas nós já conhecemos. Elas têm mais meios para fazê-lo, do que a nossa irmã de baixo salário, muitas vezes mulher de cor, que limpa os quartos dos hotéis chiques em Chicago ou a irmã agricultora nos campos californianos.

A grande maioria de nós não pode falar porque não temos poder coletivo em nosso local de trabalho, nem temos, fora do local de trabalho, acesso a apoio social, como por exemplo serviços de saúde. O trabalho, mesmo com seu salário baixo, com colegas e chefes abusivos, com suas longas jornadas, torna-se a única coisa que tememos perder, já que é o único meio que temos para colocar comida na mesa das nossas famílias e cuidar de nossos doentes.

Nós não mantemos a boca fechada [por vontade própria]. Somos obrigados a manter nossas bocas fechadas pelo capitalismo.

Então, no dia 8 de março, falaremos em primeira pessoa contra os agressores individuais que tentaram arruinar nossas vidas e falaremos coletivamente contra a insegurança econômica que nos impede de falar.

Vamos entrar em greve porque queremos expor nossos abusadores, um a um. E vamos entrar em greve porque precisamos de bem-estar social, empregos e salários para alimentar nossas famílias, bem como o direito de sindicalizar, caso sejamos demitidas por confrontamos os abuso.

Assim, em 8 de março, vamos entrar em greve contra o encarceramento em massa, a violência policial e os controles nas fronteiras, contra a supremacia branca e as guerras imperialistas dos EUA, contra a pobreza e a violência estrutural escondida que fecha nossas escolas e nossos hospitais, envenena nossa água e comida e nos rejeita a justiça reprodutiva.

E entraremos em greve por direitos trabalhistas, a igualdade de direitos para todos os imigrantes, a igualdade de remuneração e um salário digno, porque a violência sexual no local de trabalho aflora exatamente onde faltam esses métodos de defesa coletiva.

8 de março de 2018 será um dia do feminismo para os 99%: um dia de mobilização de mulheres negras e de cor, mulheres cis e bi, lésbicas e trans, dos pobres e da baixa renda, de cuidadores não remunerados, de profissionais do sexo e migrantes.

Em 8 de março, #WeStrike.

assinam Linda Alcoff, Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya, Rosa Clemente, Angela Davis, Zillah Eisenstein, Liza Featherstone, Nancy Fraser, Barbara Smith, Keeanga-Yamahtta Taylor