Sunday, March 26, 2017

três poemas de “Ich weiß keine bessere Welt”, de Ingeborg Bachmann



Meus poemas fugiram de mim.
Eu procuro por eles em todos os cantos da casa.
Não sei nada sobre a dor, nem sobre como se deve
escrever sobre a dor, eu não sei de nada.
Sei que não se pode falar das coisas desse jeito
tem que ter tempero, jogar pimenta na metáfora.
ocorreria a alguém. Mas com um punhal nas costas.
Parlo e tacio, parlo, me escondo num dialeto
no qual até em espanhol aparece, los toros y
las planetas, num disco velho e roubado
que talvez ainda toque. Com um pouco de francês
também rola, faça mon amour depuis si longtemps.
Adieu, palavras bonitas, vocês e suas promessas.
Por que vocês me abandonaram? Não tava bom aqui?
Vou guardar vocês dentro de um coração de pedra.
E lá, aguentem, e lá escrevam meus poemas por mim

Meine Gedichte sind mir abhanden gekommen.
Ich suche sie in allen Zimmerwinkeln.
Weiß vor Schmerz nicht, wie man einen Schmerz
aufschreibt, weiß überhaupt nichts mehr.
Weiß, daß man so nicht daherreden kann,
es muß würziger sein, eine gepfefferte Metapher.
müßte einem einfallen. Aber mit dem Messer im Rücken.
Parlo e tacio, parlo, flüchte mich in ein Idiom,
in dem sogar Spanisches vorkommt, los toros y
las planetas, auf einer alten gestohlenen Platte
vielleicht noch zu hören. Mit etwas Französischem
geht es auch, tu es mon amour depuis si longtemps.
Adieu, ihr schönen Worte, mit euren Verheißungen.
Warum habt ihr mich verlassen. War euch nicht wohl?
Ich habe euch hinterlegt bei einem Herzen, aus Stein.
Tut dort für mich, Haltet dort aus, tut dort für mich ein Werk


NÃO DESCARTAR NENHUM TESTEMUNHO

Não descartar nenhum testemunho, calar, viver
a vida pré-determinada, viver,
o sol durante o dia não muda nada
não ser fardo para o sol, não ser fardo para
ninguém.
É um fardo não esperar nada, não temer nada.

KEIN ZEUGNIS ABLEGEN

Kein Zeugnis ablegen, schweigen, leben,
das vorgeschriebene Leben, leben,
die Sonne, die nichts an den Tag bringt,
die Sonne auch nicht bemühen, niemand
bemühen.
Es ist eine Mühe, zu hoffen nicht, zu fürchten nichts.

PUBLICIDADE,

tento atrair todo mundo
e não consigo ninguém
tento atrair o cobrador do trem
que deixa a porta bater na
minha cara, tento atrair o carteiro
que faz muito
barulho, tento atrair
todo mundo, eu preciso
de um grande homem
para conseguir amá-los,
é perigoso amar
os homens, é um crime
insistir


WERBUNG,

um jeden werb ich
und keinen gewinn ich,
um den Straßenbahnschaffner
der vor mir die Tür einschnappen
läßt, um den Postboten,
der zu laut
läutet, um jeden
werb ich, ich brauch
ein Heer von Menschen
um sie lieben zu können,
es ist gefährlich, die Menschen
zu lieben, ein Verbrechen
sich aufzudrängen

Friday, March 24, 2017

eu vou melhorar, de bon jovi


agora deve ser verdade
tua mala feita não nega
enquanto o meu coração sangra
tu diz "o amor é uma merda"
tu diz "chorei o são francisco
e agora quero a transposição"
me deixasse afogar em lágrimas
e o pior sem salvação
eu só queria um colete salva-vidas, meu

eu vou melhorar, essas palavra tu pode anotar
ao respirar, eu quero ser pra tu o ar
eu vou melhorar
eu vivo e morro por tu
eu roubo o sol lá do céu por tu
palavras não fazem jus
eu vou melhorar

eu sei que lembras de quando era bom
mas até eu me esquecerei
não posso prometer nada
nem melhorar o que piorei
tu sabe as merda que eu fiz (e tu sabe que eu fiz merda)
mas só queria ser teu namorado
serei a água que cura a tua ressaca
e antes disso eu serei a cachaça (oooooo-ow!)

(repete refrão)

na alegria eu fui ausente
e te ignorei quando tarras mal
esqueci o teu aniver baby
mas ao menos sou um boy coerente (uuuuuuuh)

(repete refrão)
(grita na karaokê)

Tuesday, March 07, 2017

um pouco sobre a feitura do MPPF! #3

o MAIS PORNÔ, POR FAVOR! #3 é dedicado à poesia lésbica. essa decisão foi tomada por um motivo simples: ao olhar o conjunto de autorxs publicadxs nos dois primeiros números do zine, notamos que, ainda que não fossem heterocêntricos, a maioria dos poemas falava de pau: dos 24 poetas publicados nas duas primeiras edições (12 mulheres e 12 homens), 21 falavam de rola.

assim, para essa edição, queria poemas que falassem de buceta, mas que passassem longe da heteronormativade (tantas vezes tóxica e auto-celebratória) da poesia de buteco. convidei então carol morais, carol almeida e priscilla campos que, entre outras mil coisas foda que elas fazem, organizam o #leiamulheres recife.

capa com ilustração foda de giovana rosetti
e releitura de carol morais pro poema de stein.
editorial de carol almeida.
o ziné é numerado and costurado a mão
por esta tabacuda que vos escreve


no decorrer do trabalho de pesquisa, pela nossa dificuldade de encontrar e consequente falta de material de autoras não-sudestinas na nossa seleção, decidimos fazer uma chamada aberta no facebook, convidando autoras do não-sudeste a enviarem seus textos. vale aliás notar que, durante nossa pesquisa, os (poucos) artigos/textos/posts dedicados à poesia lésbica brasileira que encontramos se focavam quase que exclusivamente em poetas brancas, urbanas e do sudeste brasileiro.

em cinco dias, recebemos textos de autoras de 13 estados. durante a seleção final, nossa preocupação – além, óbvio, da qualidade dos poemas – era a representatividade, tentando balancear a quantidade de autoras não-brancas e de fora das capitais.

assim, chegamos a 10 poetas brancas, 7 negras e uma asiática (ainda não é o ideal, mas prometemos não descansar e dobrar a meta*).

entre as brasileiras, 7 são de capitais e 6 de não-capitais. no que tange distribuição por estado, tentamos não reproduzir a lógica recifilista-pernambucocentrista do manifesto regionalista de '26 hahaha e semi-conseguimos: das 14 poetas brasileiras, 2 poetas são pernambucanas, mas mais as 4 editoras e uma co-tradutora (amanda guimarães), ficamos com 6 pernambucanas no zine. foi mal. além disso temos: 1 autora baiana, duas cearenses, 2 de são paulo, uma do rio, uma de minas, uma do pará, 2 do mato grosso, uma do maranhão e do espiríto santo temos uma poeta e a ilustradora da capa, giovanna rosetti.

para dar conta de tanta maravilhosidade que encontramos brasil and mundo afora, aumentamos o zine em 4 páginas, e agora em vez de 16 o MPPF! passa a ter 20 páginas. clica aqui pra ler a bio de todas as poetas dessa edição.

quanto às traduções: a seleção foi feita por carol morais, com algum pitaco meu (soror juana e maiara  + maraisa). como a cena sapatânica norte-americana é muito ativa e bem auto-organizada, encontramos uma bibliografia poderosa sobre poesia lésbica nos EUA e fomos nos apaixonando pelo material encontrado. no fim, quando notamos que praticamente toda a parte de tradução estava dedicada à poetas dos EUA, priorizamos então as autoras não-caucasianas, deixando por isso grandes sapatães que amamos (como adrienne rich, eileen myles, elizabeth bishop, gertrude stein, emily dickinson etc.), de fora. tentamos assim dar espaço a poetas lésbicas não-brancas que não conhecíamos: pat parker, cheryl clarke e merle woo. ainda consideramos os trabalhos de wu tsao (japão), staceyann chin (jamaica) e cristina peri rossi (uruguai), além das brasileiras ângela ro-ro, angélica freitas e ana cristina césar.

para encomendar o zine que custa R$3 + FRETE 
(a calcular). como o envio da alemanha é caríssimo,
a ideia é que um grupinho de eventuais interessados
que estejam na mesma cidade dividam o frete.
se interessar, manda email pra vodcabarata@gmail.com



*queremos nos manter bafônicas e bufônicas, mas também prometemos nos manter atentxs a essas questões de representatividade. é difícil demais não cair na gostosa tentação de só publicar nossxs amigxs (ou seja, nossxs iguais; ou seja, brancosurbanoscisdeclassemédia), mas vamos ficar atentxs pra isso. prometemos também ampliar nossa pesquisa para uma abordagem não-binária de gênero - uma edição só com poesia de autores trans* já está em andamento e sai em maio, depois da edição de abril especial traduções, que será editada por nina rizzi, guilherme g. flores e sergio maciel (aka escamandro).

na verdade, a gente espera que chegue um dia em que um zine como esse não precise ser político, possa ser apenas divertido. mas por enquanto é impossível. então vamos à luta - sem perder a vontade de transar jamais (e apesar de tudo).

#foratemer,
adelaide, CEO





Monday, March 06, 2017

bios das 18 autoras publicadas no #3 do MPPF!

por ordem de aparecimento no zine (as bios das poetas brasileiras foram enviadas pelas próprias, as bio das poeta gringa (e de maria firmina) a gente pegou do wiki):


Audre Lorde - Audrey Geraldine Lorde (EUA, 18 de fevereiro de 1934 - 17 de novembro de 1992) - foi uma escritora caribenha-americana, feminista interseccional, mulherista, lésbica e ativista dos direitos civis.

Nayane Nayse (Afogados da Ingazeira, sertão de PE, 27 de novembro de 1995) é poeta.

Katia Borges (Salvador, BA, 1968) é jornalista e escritora. Publicou 'De volta à caixa de abelhas" (As letras da Bahia, 2002), "Uma balada para Janis" (P55, 2009), "Ticket Zen" (Escrituras, 2010), 'Escorpião Amarelo" (P55, 2012),  'São Selvagem" (P55, 2014) e "O exercício da distração" (Penalux, 2016). Tem poemas nas coletâneas "Roteiro da Poesia Brasileira, anos 2000" (Global, 2009), "Traversée d'Océans – Voix poétiques de Bretagne et de Bahia" (Éditions Lanore, 2012) e na "Mini-Anthology of Brazilian Poetry" (Placitas: Malpais Rewiew, 2013).

Cheryl L. Clarke (EUA, Washington DC, 16 de maio de 1947) é uma poeta lésbica, ensaísta, professora, ativista no feminismo negro: vive em entre New Jersey e New York. Junto com sua companheira, Barbara Balliet, é dona da Bleinheim Hill Books, um sebo especializado em livros raros.

Jarid Arraes (Juazeiro do Norte, sertão do CE, em 12 de Fevereiro de 1991) é escritora, cordelista e autora do livro “As Lendas de Dandara“. Atualmente vive em São Paulo (SP), onde media o Clube da Escrita Para Mulheres e o Clube Leitura Independente. Até o momento, tem mais de 60 títulos publicados em Literatura de Cordel, incluindo a coleção Heroínas Negras na História do Brasil. www.jaridarraes.com/sobre

Sóror Juana Inés de la Cruz (México; San Miguel Nepantla, 12 de novembro de 1651 — Cidade do México, 17 de abril de 1695) foi uma religiosa católica, poetisa e dramaturga nova-espanhola mexicano-espanhola. Foi a última dos grandes escritores do Século de Ouro.

Ravena Monte (Iguatu, CE, 29 de abril 1989) é produtora cultural, baixista na banda Vai Acordar o Pivete, guia de turismo e poetisa. Atualmente mora em Fortaleza, tem dois livretos publicados pelo projeto Performance Poética, no SESC Crato: "Troco poesia por cafuné" e "Pelo direito de ir e rir". Formada em Letras pela URCA.

Cecília Floresta (São Paulo, SP, 1988) é sapatão *NOTA DA EDITORA: PQP QUE BIO!!!!

Simone Brantes (Nova Friburgo, RJ, 1963) vive no Rio de Janeiro. Publicou o livro Pastilhas brancas (7Letras, 1999). Teve poemas incluídos em antologias como Roteiro da poesia brasileira anos 90 (Global, 2011) e A poesia andando: treze poetas no Brasil (Cotovia, 2008). Seus poemas e traduções de poesia foram publicados em jornais e revistas como O Globo (Página Risco), Revista Piauí, Inimigo Rumor, Poesia Sempre, Polichinello, Action Poétique e Lyrik Vännen.

Gabriela Pozzoli (são paulo,  SP, 1991) fruto de pai pescador e mãe cigana,  em outro, painho e mainha são guerreiros, em todos planos, para todos os efeitos, metade sereia e marinheiro. formou-se (no útero, mas além) em ciências sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Pat Parker (EUA, 1944 – 1989 Houston, Texas) foi uma poeta lésbica feminista afro-americana.

Maria Firmina dos Reis (São Luís, MA, 11 de outubro de 1825 — 11 de novembro 1917) foi uma escritora negra, considerada a primeira romancista brasileira.

Jéssica Rosa (Itaíba, PE,  03/04/1989). Mora em Recife. Estudante da UFRPE. Ariana com Vênus em Áries e uma famigerada lua em Peixes. Poeta em construção.

Gabriela Mistral (Chile, Vicuña, 7 de abril de 1889 — Nova Iorque, 10 de janeiro de 1957), foi uma poetisa, educadora, diplomata e feminista chilena, agraciada com o Nobel de Literatura de 1945.

Raphaella Marques/Raphissima (Belém, PA, 9/11/1987). Jornalista, poeta, mestra em Artes/UFPA, pesquisa sobre Corpo, Estética e Cidade, fazendo atravessamentos entre os campos da Arte, Filosofia e Comunicação.

Lorraine Paixão (Serra, ES, 16 de junho de 1993), é capixaba, preta e lésbica. Estudante de jornalismo e metida a poetisa, mantém o blog Idiossincrasias no Sofá que é atualizado com poesias e contos escritos ao longo de suas vivências e experiências. Além de literatura, produz também crônicas e reportagens no medium.com/@lorrainepaixao.

Ana Luiza Gonçalves (Belo Horizonte, MG, 1986). Mora em BH, é formada em Jornalismo e além de atuar na área, faz intervenções poéticas, procurando trabalhar o poema como linguagem de resistência e enfrentamento da mulher.

Maiara & Maraisa ė uma dupla sertaneja formada pelas irmãs gêmeas Maiara Carla Henrique Pereira e Carla Maraísa Henrique Pereira (São José dos Quatro Marcos, MT, 31 de dezembro de 1987).

Merle Woo (EUA, São Francisco, 24 de outubro de 1941) é uma acadêmica, poeta, escritora e ativista asian-american. Woo é professora de Estudos LGBTQ e Mulheres Asian-American na Universidade de Berkeley, California.



ps: gente, qual a tradução correta e politicamente sensível do termo "asian-american"? alguém sabe? :)




Wednesday, March 01, 2017

"como o feminismo salva a pornografia", de anna christin koch



como parte dos "preparativos" (ahaha que pretensão) do lançamento do #3 do MAIS PORNÔ, POR FAVOR! (que está sendo editado por carol morais, carol almeida, priscilla campos e por mim e que sai terça que vem, dia 7 de março), traduzi esse artigo de anna christin koch, publicado em uma das plataformas do zeit online, dia 26 de fevereiro. para ler o texto em alemôo, clica aqui.




mini-boneco do zine!


Como o feminismo salva a pornografia
por Anna Christin Koch, para o Zeit Online

Todo mundo sabe o que é pornografia, mas quase ninguém sabe quão versátil é a cena alternativa pornô. 

Pornografia é algo duvidoso, que diminui as mulheres e é superficial, certo? Errado! Pornografia pode esclarecer conceitos de sexualidade, política e capacitar pessoas. Em suma: pode melhorar o mundo. Uma especialista no campo é Erika Lust. Ela produz desde 2004 pornografia ética e tem vários projetos cujo objetivo é chegar numa abordagem mais aberta da sexualidade - por exemplo, o Conversa Pornô. E, enquanto feminista, ela tem posições claras sobre o que a pornografia mainstream oferece.

Pornografia é ética

"No momento, a pornografia é dominada pelo male gaze e sempre traz a mesma perspectiva do sexo: chauvinistas brancos de meia-idade, obcecados com peitos e bundas ", explica Lust. Isto não é por acaso. Homens produzem, desde os anos 30, um tipo de pornografia que almeja agradar especialmente a eles mesmos. Isso começou com as pin-up, seguiu com a revista Playboy como sendo um guia de estilo de vida para homens e continua até hoje, nos filmes pornográficos. Embora as técnicas de produção e métodos tenham mudado, ficaram os clichês ligados a gênero. Quase exclusivamente corpos femininos são mostrados, como algo que um homem pode conquistar e dominar, feitos para responder aos seus desejos heterossexuais.

Realizadoras feministas como Erika Lust tentam se separar deste tipo de representação. Pornografia ética trabalha com cenários nos quais há interações sexuais versáteis e responsáveis - independentemente dos estereótipos de gênero e de normas sexuais. O sexo deve ser tão natural quanto possível, os parceiros devem estar em pé de igualdade nas ações e no apetite sexual. Esse tipo de pornô é muitas vezes chamado pelos homens da indústria de "pornografia de mulher", o que faz Lust dar risada: "O engraçado é que 60% da minha clientela são homens. Fantasia e sexualidade não são definidas por gênero".

Aviso: pode conter sexismo

Mas por que feministas se aproximam de uma indústria na qual há tanto sexismo?

O sexismo é um problema em todas as áreas da nossa sociedade. As mulheres ainda ganham, em média, 21% menos do que os colegas homens. Em casa, fazem o dobro do trabalho doméstico. Elas também são desproporcionalmente vítimas de insultos online e de violência em espaços públicos.

Se o sexismo é tão arraigado em estruturas sociais, ele encontra sua entrada em nossas noções de sexo e pornografia, com o estereótipo do homem que sempre pode e quere tudo, e da mulher que permite que se faça tudo com elas. O mundo da pornografia comercial reproduzia exatamente esses ultrapassados estereótipos de gênero. Quem ainda se atreve a denunciar tais representações é considerado careta, empata-foda.

Não é de se admirar, então, que muitas pessoas acreditem que é impossível encenar sexo sem sexismo. Com base nesta ideia teve origem a Campanha Pornô, de Alice Schwarzer, com a qual ela tenta, desde 1978, proibir totalmente a pornografia. Ela afirma até hoje que há uma relação direta entre o consumo de pornografia e estupro.

Do outro lado do debate estão cientistas – em sua maioria homens – como sexólogo de Hamburgo Kurt Starke, que nega totalmente o efeito da pornografia sobre a sexualidade dos consumidores de pornô. Ainda não foi esclarecido adequadamente nem “se” nem “como” a pornografia influencia nossos padrões de comportamento e de pensamento em relação ao sexo. No entanto, ainda há uma presunção de que o sexismo está constantemente reproduzido no pornô mainstream, e esse é o foco da maioria dos debates sobre pornografia.

Pense nas crianças

O debate esquenta apenas quando se trata do efeito da pornografia sobre crianças e adolescentes. Quem tem um telefone celular e uma rede Wi-Fi está a apenas alguns cliques de distância do pornô comercial. Estudos mostram que crianças assistem ao seu primeiro pornô com cerca de 12 anos. Ainda não foi comprovado se o consumo precoce tem um impacto negativo sobre o desenvolvimento sexual dessas crianças. Produtores como Erika Lust estão, no entanto, convencidos que sim: "Quase 90% do conteúdo da pornografia comercial mostra agressão verbal ou física contra mulheres, mulheres com corpos impossíveis de se ter vida real, fazendo sexo performático, com representações tóxicas do sexo, erotismo misturado a agressão... Isso faz com que exista uma geração que praticamente tudo o que ela aprendeu sobre sexo, aprendeu a partir desse tipo de pornografia”.

Se as imagens realmente têm um impacto sobre essas crianças, influenciando suas preferências sexuais e o conceito que elas têm de gênero, estamos então criando uma geração de jovens adultos que dificilmente terão ferramentas para viver a sua sexualidade de forma responsável. Isto cria ansiedade, impotência e frustração não apenas no nível pessoal, mas é também uma acusação contra nós, se não conseguirmos ou não quisermos oferecer-lhes outra imagem da sexualidade.

Pornografia precisa de feministas 

Para Erika Lust e outras feministas é crucial, portanto, oferecer pornografia alternativa, na qual tudo possa ser mostrado, desde que consensualmente e entre adultos. Além disso, há detalhes aos quais o pornô feminista mantém atento, que são detalhes que o pornô mainstream ignora. Por exemplo: os protagonistas devem se olhar, se tocar, acariciar, beijar. Devem falar sobre o que eles querem fazer com o outro e verbalizar o que gostam de fazer. Além disso, tais produções têm um roteiro mais cuidadoso, no qual o sexo é autêntico porque a história é autêntica. Os métodos de produção cumprem um código de ética. Atores e atrizes praticam sexo seguro, não são obrigados a fazer nada que não queiram e a equipe de produção é composta por mulheres e homens.

Na pornografia ética não só a sexualidade diversificada e responsável é mostrada; pelas atuações, estereótipos são quebrados e as pessoas mostradas, independentemente do gênero, como parceiros iguais. Disso se beneficiam não apenas mulheres, esclarece Erika Lust: "Eu acho que um monte de homem também não se sente representado por essa ideia de ter que ser uma máquinas de sexo, sempre prontos pra foder”.

Com esta atitude, as produtoras feministas conseguem espalhar um novo posicionamento anti-sexista, bem diferente do posicionamento de feministas como Alice Schwarzer que, ao dizer que todo homem é um criminosos sexual em potencial, está sendo sexista também.  Embora a pornografia comercial seja dirigida principalmente para um público heterossexual, branco e do sexo masculino, ele não necessariamente mostra o que esse público quer ver. Em vez de abrir um abismo entre os gêneros, deve ser olhar para outra e fundamental questão: como queremos conviver, e quais história sobre sexo queremos contar?

Pornô é política

Mas o sexismo é apenas um dos problema no debate sobre a pornografia comercial. Racismo e homofobia também podem ser encontrados nos filmes e na indústria pornô como um todo. Erika Lust pontua que há "uma classificação e estigmatização, por origem e/ou cor [dos protagonistas]". Há etiquetas que classificam esse tipo de pornô para classificá-los como “exótico”.

Por outro lado, também se estigmatiza diferentes sexualidades. Os homens homossexuais têm plataformas especiais dentro dos websites. Já o sexo de lésbicas são absorvidos diretamente pela perspectiva heterossexual, e encenado para espectadores do sexo masculino – como eles “sonham” que sexo lésbico seja. Sexo com pessoas transexuais nunca aparece como uma experiência igualitária e agradável, mas como aventura estranha e que só acontecerá uma vez.

Com tais representações, a indústria pornô não só fere os sentimentos de muitas pessoas, como também reproduz uma imagem do sexo, de sexualidade e de gênero que não se aplicam a uma sociedade que se pretenda plural.

Hora de revolucionar

Por sorte há algumas alternativas no mercado pornô. A maioria das produtoras alternativas, como Jennifer Lyon Bell ou Petra Joy, oferecem seus produtos em suas próprias lojas online. Há também networks abertos que oferecem conteúdo pornográfico. Plataformas de selfies como I Shot Myself publicam fotos produzidas pelas próprias autoras das imagens (embora, infelizmente, mostrem apenas mulheres).

Para obter uma visão geral dos diferentes produtores, atores e diretores do pornô alternativo, vale verificar os vencedores das edições passadas do Porno-Awards. Particularmente revelador é o Porn-Yes Award, prêmio bienal de Laura Meritt, e o Festival de Filmes Pornô de Berlim. Tem também o eroticfilms.com, portal de streaming para filmes de pornô alternativo, fundado por Erika Lust, no qual os próprios produtores oferecem seus filmes para empréstimo ou venda.