Wednesday, March 01, 2017

"como o feminismo salva a pornografia", de anna christin koch



como parte dos "preparativos" (ahaha que pretensão) do lançamento do #3 do MAIS PORNÔ, POR FAVOR! (que está sendo editado por carol morais, carol almeida, priscilla campos e por mim e que sai terça que vem, dia 7 de março), traduzi esse artigo de anna christin koch, publicado em uma das plataformas do zeit online, dia 26 de fevereiro. para ler o texto em alemôo, clica aqui.




mini-boneco do zine!


Como o feminismo salva a pornografia
por Anna Christin Koch, para o Zeit Online

Todo mundo sabe o que é pornografia, mas quase ninguém sabe quão versátil é a cena alternativa pornô. 

Pornografia é algo duvidoso, que diminui as mulheres e é superficial, certo? Errado! Pornografia pode esclarecer conceitos de sexualidade, política e capacitar pessoas. Em suma: pode melhorar o mundo. Uma especialista no campo é Erika Lust. Ela produz desde 2004 pornografia ética e tem vários projetos cujo objetivo é chegar numa abordagem mais aberta da sexualidade - por exemplo, o Conversa Pornô. E, enquanto feminista, ela tem posições claras sobre o que a pornografia mainstream oferece.

Pornografia é ética

"No momento, a pornografia é dominada pelo male gaze e sempre traz a mesma perspectiva do sexo: chauvinistas brancos de meia-idade, obcecados com peitos e bundas ", explica Lust. Isto não é por acaso. Homens produzem, desde os anos 30, um tipo de pornografia que almeja agradar especialmente a eles mesmos. Isso começou com as pin-up, seguiu com a revista Playboy como sendo um guia de estilo de vida para homens e continua até hoje, nos filmes pornográficos. Embora as técnicas de produção e métodos tenham mudado, ficaram os clichês ligados a gênero. Quase exclusivamente corpos femininos são mostrados, como algo que um homem pode conquistar e dominar, feitos para responder aos seus desejos heterossexuais.

Realizadoras feministas como Erika Lust tentam se separar deste tipo de representação. Pornografia ética trabalha com cenários nos quais há interações sexuais versáteis e responsáveis - independentemente dos estereótipos de gênero e de normas sexuais. O sexo deve ser tão natural quanto possível, os parceiros devem estar em pé de igualdade nas ações e no apetite sexual. Esse tipo de pornô é muitas vezes chamado pelos homens da indústria de "pornografia de mulher", o que faz Lust dar risada: "O engraçado é que 60% da minha clientela são homens. Fantasia e sexualidade não são definidas por gênero".

Aviso: pode conter sexismo

Mas por que feministas se aproximam de uma indústria na qual há tanto sexismo?

O sexismo é um problema em todas as áreas da nossa sociedade. As mulheres ainda ganham, em média, 21% menos do que os colegas homens. Em casa, fazem o dobro do trabalho doméstico. Elas também são desproporcionalmente vítimas de insultos online e de violência em espaços públicos.

Se o sexismo é tão arraigado em estruturas sociais, ele encontra sua entrada em nossas noções de sexo e pornografia, com o estereótipo do homem que sempre pode e quere tudo, e da mulher que permite que se faça tudo com elas. O mundo da pornografia comercial reproduzia exatamente esses ultrapassados estereótipos de gênero. Quem ainda se atreve a denunciar tais representações é considerado careta, empata-foda.

Não é de se admirar, então, que muitas pessoas acreditem que é impossível encenar sexo sem sexismo. Com base nesta ideia teve origem a Campanha Pornô, de Alice Schwarzer, com a qual ela tenta, desde 1978, proibir totalmente a pornografia. Ela afirma até hoje que há uma relação direta entre o consumo de pornografia e estupro.

Do outro lado do debate estão cientistas – em sua maioria homens – como sexólogo de Hamburgo Kurt Starke, que nega totalmente o efeito da pornografia sobre a sexualidade dos consumidores de pornô. Ainda não foi esclarecido adequadamente nem “se” nem “como” a pornografia influencia nossos padrões de comportamento e de pensamento em relação ao sexo. No entanto, ainda há uma presunção de que o sexismo está constantemente reproduzido no pornô mainstream, e esse é o foco da maioria dos debates sobre pornografia.

Pense nas crianças

O debate esquenta apenas quando se trata do efeito da pornografia sobre crianças e adolescentes. Quem tem um telefone celular e uma rede Wi-Fi está a apenas alguns cliques de distância do pornô comercial. Estudos mostram que crianças assistem ao seu primeiro pornô com cerca de 12 anos. Ainda não foi comprovado se o consumo precoce tem um impacto negativo sobre o desenvolvimento sexual dessas crianças. Produtores como Erika Lust estão, no entanto, convencidos que sim: "Quase 90% do conteúdo da pornografia comercial mostra agressão verbal ou física contra mulheres, mulheres com corpos impossíveis de se ter vida real, fazendo sexo performático, com representações tóxicas do sexo, erotismo misturado a agressão... Isso faz com que exista uma geração que praticamente tudo o que ela aprendeu sobre sexo, aprendeu a partir desse tipo de pornografia”.

Se as imagens realmente têm um impacto sobre essas crianças, influenciando suas preferências sexuais e o conceito que elas têm de gênero, estamos então criando uma geração de jovens adultos que dificilmente terão ferramentas para viver a sua sexualidade de forma responsável. Isto cria ansiedade, impotência e frustração não apenas no nível pessoal, mas é também uma acusação contra nós, se não conseguirmos ou não quisermos oferecer-lhes outra imagem da sexualidade.

Pornografia precisa de feministas 

Para Erika Lust e outras feministas é crucial, portanto, oferecer pornografia alternativa, na qual tudo possa ser mostrado, desde que consensualmente e entre adultos. Além disso, há detalhes aos quais o pornô feminista mantém atento, que são detalhes que o pornô mainstream ignora. Por exemplo: os protagonistas devem se olhar, se tocar, acariciar, beijar. Devem falar sobre o que eles querem fazer com o outro e verbalizar o que gostam de fazer. Além disso, tais produções têm um roteiro mais cuidadoso, no qual o sexo é autêntico porque a história é autêntica. Os métodos de produção cumprem um código de ética. Atores e atrizes praticam sexo seguro, não são obrigados a fazer nada que não queiram e a equipe de produção é composta por mulheres e homens.

Na pornografia ética não só a sexualidade diversificada e responsável é mostrada; pelas atuações, estereótipos são quebrados e as pessoas mostradas, independentemente do gênero, como parceiros iguais. Disso se beneficiam não apenas mulheres, esclarece Erika Lust: "Eu acho que um monte de homem também não se sente representado por essa ideia de ter que ser uma máquinas de sexo, sempre prontos pra foder”.

Com esta atitude, as produtoras feministas conseguem espalhar um novo posicionamento anti-sexista, bem diferente do posicionamento de feministas como Alice Schwarzer que, ao dizer que todo homem é um criminosos sexual em potencial, está sendo sexista também.  Embora a pornografia comercial seja dirigida principalmente para um público heterossexual, branco e do sexo masculino, ele não necessariamente mostra o que esse público quer ver. Em vez de abrir um abismo entre os gêneros, deve ser olhar para outra e fundamental questão: como queremos conviver, e quais história sobre sexo queremos contar?

Pornô é política

Mas o sexismo é apenas um dos problema no debate sobre a pornografia comercial. Racismo e homofobia também podem ser encontrados nos filmes e na indústria pornô como um todo. Erika Lust pontua que há "uma classificação e estigmatização, por origem e/ou cor [dos protagonistas]". Há etiquetas que classificam esse tipo de pornô para classificá-los como “exótico”.

Por outro lado, também se estigmatiza diferentes sexualidades. Os homens homossexuais têm plataformas especiais dentro dos websites. Já o sexo de lésbicas são absorvidos diretamente pela perspectiva heterossexual, e encenado para espectadores do sexo masculino – como eles “sonham” que sexo lésbico seja. Sexo com pessoas transexuais nunca aparece como uma experiência igualitária e agradável, mas como aventura estranha e que só acontecerá uma vez.

Com tais representações, a indústria pornô não só fere os sentimentos de muitas pessoas, como também reproduz uma imagem do sexo, de sexualidade e de gênero que não se aplicam a uma sociedade que se pretenda plural.

Hora de revolucionar

Por sorte há algumas alternativas no mercado pornô. A maioria das produtoras alternativas, como Jennifer Lyon Bell ou Petra Joy, oferecem seus produtos em suas próprias lojas online. Há também networks abertos que oferecem conteúdo pornográfico. Plataformas de selfies como I Shot Myself publicam fotos produzidas pelas próprias autoras das imagens (embora, infelizmente, mostrem apenas mulheres).

Para obter uma visão geral dos diferentes produtores, atores e diretores do pornô alternativo, vale verificar os vencedores das edições passadas do Porno-Awards. Particularmente revelador é o Porn-Yes Award, prêmio bienal de Laura Meritt, e o Festival de Filmes Pornô de Berlim. Tem também o eroticfilms.com, portal de streaming para filmes de pornô alternativo, fundado por Erika Lust, no qual os próprios produtores oferecem seus filmes para empréstimo ou venda.

No comments: