Wednesday, April 21, 2010

e agora não tenho coragem de ligar

na sexta, quando estava indo encontrar com catarina na martins fontes (a rua), duas velhinhas foram atropeladas na minha frente, ali na consolação.

nunca vou esquecer o barulho do impacto, barulho de corpo quebrando.

eu e meu longo vestido cor-de-rosa e meu batom vermelho correram na direção delas a tempo de não deixar ninguém tocar nelas, e dar as mãos, e avisar que tudo ia ficar bem, e ligar para o samu.

samu avisado.

diz que não pode dormir quando bate a cabeça, né? então abaixei para conversar com elas (enquanto o motorista desceu com a porra do carro, gritando com as velhinhas, enquanto mais dois ou três cafuçus queriam linxar o motorista. mas a maioria, claro, só ficava parada ao redor olhando com cara de buceta sem fazer nada).

elas eram chilenas. mercedes e olímpia. 87 e 88 anos. lúcidas na vida e lúcidas naquela hora. falaram de pinochet, do terremoto, ai que dolor, sale sangre de mi cabeza? (sim, saía de montão, e meu vestido, indo de rosa a vermelho, foi mostrando a ela o que eu não quis contar). e eu, de mãos dadas com uma dela, ia sentindo o polegar dela nas costas da minha mão, indo para a frente e para trás, como alguém que, mesmo naquela situação, ainda tem ternura para fazer carinho.

chegou o samu.

fui com elas até a santa casa porque ninguém falava nem entendia espanhol e alguém precisa traduzir o que diziam. e encontrar os parentes...

me deixe com meu drama: parece que eu estudei espanhol estes anos todos para isso.

§

saí de lá quando as duas filhas foram contactadas e uma delas tinha chegado. disseram que estava ótimas, só com alguns cortes, e que provavelmente seriam liberadas dali a algumas horas.

peguei o telefone de todo mundo. mas estou com medo do desfecho. medo dessas surpresas da vida, da f1000 do destino descendo descontrolada a consolação e tirando você do rumo. o pão quentinho na sacola. elas estavam voltando da padaria.

como uma noite, uma festa em que toda sua vida muda.

não quero ligar, porque não sei se quero saber.

falei para armin: "não consigo acreditar que a vida é dolorosa até o último segundo".

ele nem respondeu.

12 comments:

Lívia said...

Olha, passei por algo parecido há alguns meses. Vi um senhor ser atropelado, segurei a mão dele enquanto o SAMU não chegava e a cabeça sangrava, liguei pro filho e tudo o mais. Também peguei os telefones e fui mantendo contato, não me arrependi. Ele se recuperou, graças a Deus, e eu acabei sentindo que fiz parte daquilo, sabe? A gente dá mais valor à vida quando algo assim acontece. Espero que as senhorinhas chilenas fiquem bem também.

Unknown said...

Ivi,
liga pra elas. Com certeza deve está tudo bem e elas ficariam felizes de saber que tu te preocupou e tal.

beijos berlinenses

Joli a.k.a. Juliana said...

eu também voto em tu ligar. deixe de ser medrosa.

Patricia Cardoso said...

Ivi, liga sim... elas precisam de vc tbm! bj

B. said...

Pois é, Ivi, liga. Vai ser bom pra você ver que coisas boas tb acontecem na vida, e elas provavelmente estão bem e devem estar querendo muito agradecer àquela doce mocinha que ficou com elas o tempo todo, ajudando-as e fazendo com q elas se sentissem menos sozinhas (pq imagina o horror que seria, elas ali, e sem entender nada, e sem conseguir com que ninguém entendesse nada). Liga, Ivi.

B. said...

e não era o ultimo segundo. elas ainda têm muitos dias, meses e anos pela frente!

carolina said...

fiquei emocionada com a maneira como você relatou a estória. se teve exagero, ou drama demais, não importa... gostei muito do texto.

ps: velhinhos me emocionam sempre.

Déa said...

Já passei por uma situação semelhante, mas eu era a neta chamada no hospital quando meu avô,atropelado, aos 75, morreu segurando minhas mãos. Não é a primeira vez que me emociono lendo o que escreve. Estou sinceramente feliz por saber que elas ficaram bem. Que bom que você existe.

Unknown said...

Liga, boneca! Elas e a família vão ficar muito felizes em saber de sua preocupação! ;-)

Unknown said...

Liga Ivi, por que se elas estiverem bem será maravilhoso, sua alma ficará iluminada, mas do contrário vc tbm fez a sua parte, e estava naquele momento justo pra isso, você não fugiu a responsabilidade que a vida te impôs....pense que nada é por acaso... beijos

Isa Bela said...

Ainda bem que eu li, logo no post acima, que elas ficaram bem, porque senão as poucas lagriminhas contidas que cairam agora lendo esse post iam virar um riooo bem aqui na minha mesa do trabalho,rs.

Linda a forma como vc escreveu, como vc as ajudou, como vc esteve lá!

Unknown said...

Caralho, Ivi. Caralho.


Bia