Friday, January 07, 2011

sofrimento estranho

vou participar de uma exposicao que abre dia 25, em sao paulo (conto mais detalhes depois) e o tema que eu mesma sugeri tem a ver com casa, com estar em casa, com o lugar no qual uma pessoa se sente em casa.

prestes a mudar a vida toda de novo, pensar nesse assunto está sendo mais doloroso do que pensei que seria, quando sugeri o tema.




eu gosto muito da palavra pra mendigo em inglês: homeless. significaria dizer que nós, chutados da própria terra natal, somos mendigos forcados, um estupro geográfico (ou quem sabe real) que nos tira daquilo que entendemos instintivamente como porto seguro: a cidade onde nascemos.

eu nao tenho esse porto, e meu barco acaba sempre rumando para portos aliados, geralmente bem longes da linha do equador (sejam eles acima ou abaixo daquele).

de recife eu mantenho distância. escolhi o auto-exílio. o peso que essa cidade abriga tem a ver com o abuso sofrido aos 12, o outro aos 25, os cinco assaltos, o machismo, a falta do que fazer, a furacao de olho, o rebuceteio, a pseudo liberacao sexual cultural intelectual que os agentes culturais de recife insistem em pregar somente para nao pôr em prática.

como é ruim detestar a cidade onde se nasceu, porque você precisa procurar outra - sendo bem piegas, você precisa nascer de novo.

eu nasci de novo quando conheci armin. esse mérito ninguém tira desse homem que, ciente da minha biografia inteira, fez do nosso edredon uma cabana na qual ninguém nunca consegueria me ferir.

a nao ser ele. ou eu mesma.

e aí me pergunto: se o sentimento de casa nao existe nem mesmo naquela que escolhi, que construi, onde está?

nisso entra sao paulo. um espaco urbano detestável, onde eu acabei por encontrar um lugar onde eu me sentia anônima o suficiente para me sentir a salvo.

mas ainda nao gostava de como eu me sentia.

isso foi acontecer em berlim - lugar esse que, por simplesmente nao ser o país onde nasci, nunca poderei chamar de casa.

em protuguês, usamos "terra natal" para nomear o lugar onde nascemos e a palavra "natal" se refere tao somente a nascimento. em alemôo, o lugar onde uma pessoa nasceu é "heimatstadt", sendo "heimat" a traducao para "lar".

e eu amo pensar na construcao desse substantivo alemôo, o que ele significa, mas também o que ele representa.






pensar nisso tudo - por um motivo tao bom, eu adoro expôr porque adoro pensar no look vou usar na vernissage - é nesse momento ainda mais dolorosamente construtivo porque lá vou eu fazer as malas (dessa vez, bem grandes) e com a boca cheia de palavras dizer "i am going home". seja lá o que "home" signifique.

11 comments:

Flavia said...

Seu blog, as suas fotos e o seu trabalho são tão lindos. Identificação é a palavra.
<3

Natalia Venturini Pessutti said...

Vc tá indo de novo pra lá? Boa sorte na sua vernissage, e quero mais notícias no seu blog, adoro ler vc. Beijosss.

Manu Melo Franco said...

"Homesick.
Because I no longer know where home is."

Esse bicho comichão também mora dentro de mim, Alaíde.

Tá lindo o texto.

Bjo.
Manu

Unknown said...

ai meu deus mulheres cheias de sentimentos, elas precisam de mais sexo mágico.

Fernanda said...

Para onde a senhorita está indo?? Beijo e sucesso!!!! E não para com o blog não, hein?

Bárbara said...

adoro esses textos assim e tudo o que vc falou de recife é a mais pura verdade
um beijo

Yêda Alencar said...

sinto a msm coisa em relação a cidade onde nasci... por coincidência tb no nordeste, não Recife, mas Teresina/Pi. Não gosto daqui, não pela cidade em si, pq enfim cada lugar tem seus costumes, cabe a nós gostarmos ou não. O problema sou eu. Não me identifico nenhum pouco com "os costume de cidade provinciana" q Teresina tem. Não me acostumo com o forró de todos os dias, não me acostumo ao apego de sobrenome q as famílias daqui tem, não me acostumo com esse calor infernal o ano todo. E muitas outras coisas. Enfim, eu não pertenço a esse lugar. Ainda não descobri o meu lugar, mas espero um dia chegar lá. Pq esse aqui, definitavamente, não é o lugar q me faz feliz.

Anonymous said...

sempre fiquei pasma com pessoas que dizem adorar não ter um lar. não ter um lugar. todo esse desapego. mesmo que possivelmente só nas palavras dessas pessoas. sempre me foi incompreensível. sempre precisei de um. ex-namorado. ex-cidade. um objeto na estante. um livro de cabeceira. até um desenho de uma casa no banheiro. ao lado da banheira. (este tenho inclusive uma foto, foi o que mais chegou perto) nunca de fato resolveu. mas... a esperança sempre existe.

e assim a vida continua.

enfim. queria muito ver a exposição.

beijos.

Amanda said...

Seu post me lembrou essa música:

http://www.youtube.com/watch?v=3HNY0rx2fw4&feature=player_embedded

Carolina Bottacin said...

Sempre adorei ter um lugar, me sentir segura, em casa. Quando saí daquele que considerava o meu lugar, descobri que nunca terei um. O único lugar que me restou foi aquele que fica dentro de mim, o único que não tenho como abandonar, que não posso deixar ir. Hoje, quando volto pra "casa", sinto que lá não é o meu lugar, quando estou aqui sinto que também não é. A minha casa fica em mim mesma, mas eu precisei cruzar o mundo para descobrir. Palavras de uma expat que já não sabe o que home significa...

Rafaella said...

Nessa hora a Kate Hudson passa a mão no seu rosto, fechando seus olhos e diz: - You are home.
Começa a tocar tiny dancer. fim