Friday, September 25, 2015

the nude swim, de anne sexton

O NADO NU1

No sudoeste de Capri
encontramos uma grutinha secreta
onde não havia ninguém e nós
nos metemos nela até o fim e
liberamos nossos corpos de toda
solidão.

Tudo o que em nós é peixe
se deixou levar.
Os peixes de verdade não deram a mínima.
Não atrapalhamos suas vidas íntimas.
Nadamos tranquilos por cima
e por baixo deles, compartilhando
bolhas de ar, brancas, ínfimas
bexigas, que emergiam rápido
até o sol banhando o barco
onde o italiano tirava uma soneca
cobrindo a cara com um chapéu.

A água era tão clara
que dava para ler um livro.
A água era tão tranquila
que se podia boiar sem medo.
Me deito nela como me deito no divã2.
Me deito nela como
a odalisca vermelha de Matisse.
Sendo a água a flor estranha,
é preciso imaginar uma mulher
sem toga nem lenço
num sofá cavado como um túmulo3.

As paredes daquela gruta
tinham todos os tons de azul
e tu disseste "Ó! Teus olhos
são da cor do mar. Ó! Teus olhos
são da cor do céu". E meu olhos
se fecharam em
repentina vergonha4.




The Nude Swim

On the southwest side of Capri
we found a little unknown grotto
where no people were and we
entered it completely
and let our bodies lose all
their loneliness.

All the fish in us
had escaped for a minute.
The real fish did not mind.
We did not disturb their personal life.
We calmly trailed over them
and under them, shedding
air bubbles, little white
balloons that drifted up
into the sun by the boat
where the Italian boatman slept
with his hat over his face.

Water so clear you could
read a book through it.
Water so buoyant you could
float on your elbow.
I lay on it as on a divan.
I lay on it just like
Matisse's Red Odalisque.
Water was my strange flower,
one must picture a woman
without a toga or a scarf
on a couch as deep as a tomb.

The walls of that grotto
were everycolor blue and
you said, 'Look! Your eyes
are seacolor. Look! Your eyes
are skycolor.' And my eyes
shut down as if they were
suddenly ashamed.



reclining odalisque (harmony in red)
matisse, 1927


1.
"o nado nu" não somente me parece solene, como quase antipático, pretensioso. uma tradução que pensei muito foi "nadar pelada", que seria também o jeito mais "normal" de falar da mesma coisa. mas como a última estrofe revela uma "confissão", um momento de "nudez", achei melhor deixar assim. 
2.
é preciso lembrar da relação de anne com a psicanálise e, mais ainda, do fato de que esse livro foi escrito no período que o analista dela era o amante. eu acho a imagem desse verso tão piegas ("deitar na água como se fosse um divã" - pelamor de deus) mas, por outro lado, é um jeito lindo de aludir a ela mesma pensando no amante, enquanto viaja com o marido. no original ela fala do divã de maneira impessoal ("on A divan") mas eu traduzi para "no divã", querendo falar daquele específico, já que os dates de anne e seu analista se davam no consultório dele, ou seja, durante as consultas.
3.
dessa relação com a psicanálise vem o jogo sofá/divã que anne faz. escolhi traduzir como "cavado como um túmulo", ainda que no original ela use "deep", que é fundo/profundo. "cavado" é sim sinônimo pra fundo, mas se usa mais como particípio que como adjetivo e ideia de medida (ao menos não na linguagem falada). de toda forma, escolhi "cavado como um túmulo" primeiro pela sonoridade: "sofá fundo", "sofá profundo" soam mal.

além disso, no sofá da psicanálise se "cavam" as coisas (da vida interna) e, neste sofá especificamente, ela não somente fazia sessões de análise como fazia amor com o analista (a alusão à nudez nos versos "é preciso imagina uma mulher/sem tonga nem lenço" também faz esse paralelismo, entre se desnudar pra fazer amor e se desnudar diante do analista, falar das entranhas). uma relação de transferência complexa - meio a morte da terapia, sei lá. fiquei pensando muito tempo nisso. enfim, ela fala de túmulo do fim do verso, então achei melhor usar "cavado", que lembra cova, cavar a própria cova, sem deixar de ser sinônimo pra "fundo"/"deep".

eu podia ter escrito "fundo como uma cova", que seria uma opção simples e boa, mas ia criar musicalidade com "toga" do verso anterior (e não queria tirar "toga"; que genial essa palavra aí no meio) e no original não há musicalidade entre esses 2 versos.
4.
foi muito difícil traduzir o último verso, por sua simplicidade. "ashamed" é uma vergonha relacionada a culpa, diferente da vergonha embaraço (que é quando há "público"). pensei em traduzir por "remorso", que é bem próximo, ou simplesmente "culpa" (e ainda filosofei pensando em "tristeza" "cansaço" "pesar"), mas nenhuma se aproxima tanto da ideia de "embaraço culpado" de "ashamed". fiquei entre "remorso" e "vergonha". optei pela última, simples e eficaz, que é o que provavelmente uma pessoa falaria na vida real. mas sei que não é a tradução ideal. aceito sugestões.

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