Saturday, November 21, 2015

leia golgona anghel

recebi, junto com a edição portuguesa do livro novo de ricardo, duas bombas atômicas em casa.

a primeira delas, "vim porque me pagavam", é um livro da autora romena radicada em lisboa golgona anghel. golgona faz um uso loucão da língua portuguesa, criando umas imagens intensas, que misturam situações surreais com outras possíveis, quase clichês da vidinha adulta -  e esse jogo entre o improvável e o cotidiano provocam uma empatia imediata. a linguagem de golgona não é uma empoeirada, pelo contrário, e é alucinógena mas é fresca; é fresca mas é asmática; é feminina mas não é.

eu vou copiar aqui na íntegra meu poema preferido (hoje) do livro, mas já adianto que assim deixo de fora outras coisa talvez tão ou mais maravilhosas. recomendo MUITO MUITO MUITO o livro inteiro, que pode ser encomendado no site da editora mariposa azual.


Quando me chamaram, temia o pior,

porque eu sei que,
mesmo habitando a cidade dos imortais,
há um rio algures que nos devolve a mortalidade
e tenho pena
que me tenha calhado beber dessas águas
ainda que seja claro que,
até no melhor dos mundos possíveis,
é necessário atravessar a nado a onda
do deserto do Arizona,
sofrer de peste num fragmento de Boccaccio,
demorar séculos em todas as declinações do passado
para depois poder chegar ao fim da noite
como quem volta a casa.

Queria eu própria fantasiar esse regresso
mas só pode voltar quem já partiu
e eu continuo aqui
tão lenta como um processo de recurso,
embora contente por ainda conseguir ler estas palavras ao
contrário - é por isso que estão a rir? -
apesar de saber que talvez, sim, lhes falte alguma acção
embora já não me impressionem os estrondos
nem as odes.

Paro por isso, por um segundo.
Olho-vos de frente, outra vez,
e, sem poder regressar,
começo a contar as vítimas.


O meu corpo foi sempre um campo de batalha.
Passaram tantos soldados por aqui,
mas a revolução ficará sempre sem futuro.




(ATENÇÃO: TODOS OS GRIFOS SÃO MEUS!)

e uma vocalização de "no segundo caso", cujos versos finais me deixam especialmente macambúzia, mas que são tão lindos:




(um presente pra schneider)



2 comments:

Jullie said...

Nunca tinha ouvido sua voz... Ah, Adelaide! Que apaixonante você é!

vodca barata said...

ô mulé <3