Thursday, June 02, 2016

dois poemas de júlia de carvalho hansen

Como um relógio cuco quando apita a hora
a língua - que é todo um investimento -
está capitalizada em um lugar nenhum.
Dinheiro? Que me deem mais do que é preciso
e que assim eu fique bem.
É o credo dos tempos, não disse?
E haja quem puder renegar o deus
dizer três vezes que não necessita, ir viver entre os pauzinhos
de uma cabana ou amassar o próprio pão - respeito-os todos.
A roda dentada não para de morder, entretanto não tenho paraíso
fiscal para fugir. É toda vez isso: a conta no negativo
e mais e mais e mais. Em retribuição escarro em mim
a dívida do mérito, vácuo que rege a fé em todos os supermercados,
estacionamentos, eleições de municípios e se camufla
em latifúndios de uma gente sem esperança, só com resultados
mortes de índios, helicópteros empilhados num hangar.
Vez ou outra é só uma imensidão de queda
vez ou outra é só um hemisfério inteiro
que padece de fome, de frio, e morre.



Saberem-se errados, turvos, iludidos, desmascarados
não faz de vocês pessoas melhores ou mais reais.
A infelicidade, a tormenta, o vício, as fezes
não fazem de vocês pessoas melhores ou mais reais.
As desculpas, as explicações, quaisquer intenções
não fazem de vocês pessoas. Fazem de vocês, vocês
estarem errados, turvos, iludidos, desmascarados
infelizes, atormentados, viciados, cagões
desculpados, explicados, intencionais
vivos. E não sozinhos.
Mas quem não sabe de nada disso
Mas quem sabendo de tudo isso
confunde-se ao ponto de se achar
achado, melhor e vivo
está sozinho. E, bem,
nem os mortos
estão sozinhos.



das páginas 35 e 36 do belíssimo "Seiva veneno ou fruto", de júlia de carvalho hansen, lançado em março desse ano pela chão da feira.

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