. trecho do texto "but at least capitalism is free and democratic, right?", de erik olin wright (é um omi, foi mals) publicado no livro "the abcs of socialism"
. traduzido por adelaide ivánova na série "é doutrinação esquerdista suficiente ou tá pouco?", inventada e liderada por ela mesma
essa foto nao tem nada a ver
com esse texto mas pus aqui
pra atrair cliques
nos eua, muitos têm certeza que liberdade e democracia estão inevitavelmente conectados com capitalismo. milton friedman, no seu livro "capitalismo e liberdade", chegou a dizer que capitalismo era uma condição necessária para [a existência de] ambos.
sim, é verdade que o aparecimento e dispersão do capitalismo trouxe consigo uma expansão tremenda de liberdades individuais e, eventualmente, lutas populares por mais formas democráticas de organização política. assim sendo, dizer que o capitalismo obstrui tanto liberdade quanto democracia soa estranho para muitas pessoas.
dizer que capitalismo restringe o crescimento desses valores não significa dizer que capitalismo é contra liberdade e democracia em tooodas as instâncias. É o contrário: no funcionamento de seus processos mais fundamentais, o capitalismo gera déficits severos tanto para a liberdade quanto para a democracia, danos esses que o capitalismo tampouco pode remediar. foi o capitalismo que promoveu o surgimento de certas formas, ainda que limitadas, de liberdade e democracia, mas foi também o capitalismo que impôs muitas limitações ao desenvolvimento de ambas.
(...)
há cinco formas em que essas limitações se tornam aparentes:
1) "trabalhe ou morra de fome" não é liberdade
o capitalismo está ancorado na [relação entre] acumulação privada de riqueza e procura por salários. as desigualdades econômicas que resultam dessas atividades "privadas" são intrínsecas do capitalismo e criam outras desigualdades que o filósofo philippe van parijs chama de "liberdade real".
o que quer que signifique "liberdade", dentro de sua definição deve estar inserida a habilidade de dizer "não". uma pessoa rica pode livremente decidir se ela quer ou não trabalhar em troca de um salário; uma pessoa pobre sem um meio independente de subsistência não pode tomar essa decisão tão facilmente.
mas o valor de liberdade é mais profundo que isso. também é a habilidade de agir positivamente para a realização de seus próprios projetos -- ou seja, não somente poder decidir quais repostas, mas também quais perguntas você quer fazer.
os filhos de pessoas ricas podem fazer estágios não-remunerados para avançar nas carreiras; os filhos de pais pobres, não.
nesse sentido, o capitalismo tira sim muita liberdade das pessoas. pobreza e abundância existem por causa de uma equação direta entre recursos materiais e os recursos necessários para a autodeterminação. [nota da adelaide #1: o que ele quer dizer é: só tem a tal da autodeterminação quem tem dinheiro pra comprar ela haha]
2) capitalistas decidem
no capitalismo, a forma como o limite entre público e privado é criado impede que decisões cruciais, que afetam grandes quantidades de pessoas, sejam decididas democraticamente. talvez o direito mais fundamental que as empresas privadas têm é o direito de decidir investir ou desinvestir com base estritamente no seus próprios interesses.
a decisão de uma corporação, de investir em um lugar e não investir em outro, é uma questão privada, muito embora essa decisão tenha um impacto radical nas vidas de todas as pessoas, em ambos os lugares. mesmo que uma pessoa argumente que essa concentração de poder na iniciativa privada é necessária para a alocação eficiente de recursos, excluir esse tipo de decisão do controle democrático dizima a capacidade de autodeterminação -- exceto para aqueles que possuem capital.
3) jornada de 8 horas é tirania
empresas capitalistas estão autorizadas a terem ambiente de trabalho ditatoriais. uma parte essencial do poder do dono da empresa é o direito de dizer aos seus contratados o que fazer. essa é a base do contrato de trabalho: o candidato concorda em seguir as ordens de um dono de empresa em troca de um salário.
claro, um dono de empresa pode dar aos trabalhadores autonomia, se ele quiser, e em algumas situações essa é a forma de aumentar mais ainda os lucros. mas essa mesma autonomia é dada ou retirada de acordo com o bel-prazer de um dono de empresa [nota da adelaide #2: aquela balelinha do silicon valley de jornada de cinco horas de trabalho e ambiente de trabalho mais amigável com mesa de pingue-pongue e blablabla não é pensada pra melhorar a vida do trabalhador ATE PQ AS MUIE CONTINUA SENDO PAGA 30% MENOS NEAM, nem tem como objetivo dividir a riqueza produzida pelo trabalhadores, entre os trabalhadores. essa balela é pensada para a) aumentar a produtividade para que b) aumente-se os lucros que c) NAO SERAO divididos entre os trabalhadores que aumentaram os mesmo lucros. mais sobre isso no livro "the new spirit of capitalism", que eu nao li ainda haha]. ora, uma concepção real de autodeterminação não permitiria que autonomia dependesse da preferencia das elites.
um defensor do capitalismo poderia responder que um trabalhador que não goste das regras do seu chefe tem sempre a possibilidade de pedir demissão. mas já que trabalhadores, por definição, não são donos de formas independentes de subsistência, se ele pedir demissão terá que procurar por um novo trabalho, onde terá que se submeter a regras de um outro dono de empresa.
4) governos estão a serviço do interesse de capitalistas
controle das empresas em decisões importantes sobre onde serão feitos investimento cria uma pressão constante nas autoridades publicas, para que estas tomem decisões favoráveis aos interesses dos capitalistas. a ameaça de desinvestimento e mobilidade do capital é sempre um pano de fundo para discussão das políticas públicas e assim, políticos, qualquer que seja sua orientação ideológica, são forcados a se preocupar em sustentar um "bom clima para os negócios". [nota da adelaide #3: mais para frente, em parte deste texto que não traduzi, wright escreve: “um setor publico forte e investimentos estatais podem enfraquecer a ameaça de retirada do capital” ;) #lula2018].
valores democráticos tornam-se vazios enquanto uma classe de cidadãos tiver prioridade sobre a outra.
5) elites controlam o sistema político
por último, gente rica tem mais acesso ao poder politico do que outras. esse é o caso em todas as democracias capitalistas, ainda que esse fenômeno seja maior em alguns países do que em outros.
os mecanismos específicos para conseguir mais acesso ao poder político variam: contribuição em campanhas políticas, financiar lobbies; formas variadas de network das elites; propinas e outras formas de corrupção.
nos eua, tanto indivíduos ricos como corporações capitalistas, não encontram qualquer restrição para a forma como usam recursos privados com objetivos políticos. esse acesso diferenciado ao poder político anula o princípio mais básico de democracia.
essas consequências são endêmicas do capitalismo enquanto sistema econômico.
(...)
as características antidemocráticas e anti-liberdade do capitalismo podem até ter paliativos, mas não podem ser eliminadas. domar o capitalismo com paliativos foi o objetivo central das políticas dos socialistas dentro de economias capitalistas. mas se liberdade e democracia são nossos objetivos, o capitalismo não pode ser apenas domado. tem que ser eliminado.
FIM!