texto de ALEX WISCHNEWSKI e KERSTIN WOLTER
traduzido do alemôo por adelaide ivánova
Na Espanha, Polônia e Argentina, as feministas já fizeram as suas -- agora uma greve das mulheres também está sendo organizada na Alemanha. Por que este é o próximo passo?
Estamos no ano 2018 dC. No mundo todo, a direita e os neoliberais estão encurralando as forças progressistas... Todas elas? Não! Um grupo cada vez maior de mulheres* inflexíveis não para de resistir. Em muitos países, elas organizaram uma greve feminista, em 8 de março de 2018 -- e não foi pela primeira vez. Somente na Espanha, o apelo foi seguido por mais de cinco milhões de pessoas. Por que será que as mulheres estão organizadas e tomando as ruas em tantos lugares? A nova força do movimento feminista não é fruto de uma poção mágica. É fruto do papel específico que as mulheres desempenham em nossas sociedades.
Para começar, as mulheres estão -- ao contrário da crença popular -- no centro da cadeia produtiva. A maioria das mulheres trabalha no setor de serviços, que responde por 70% do PIB na Alemanha. Mesmo fora do trabalho assalariado, as mulheres ainda fazem a maior parte do trabalho de criação, de cuidado e trabalho doméstico, sem o quais ninguém jamais poderia adentrar o mercado.
É aí que está nosso grande potencial de pressão sobre a política e sobre o capital. O lema da greve na Espanha não foi em vão: "se as mulheres param, para o mundo". Pelo seu trabalho, as mulheres não recebem nenhum salário, ou recebem menos. Isso se dá, no capitalismo, por causa dos interesses dos capitalistas: manter o mais barato possível os custos de "reprodução da força de trabalho", ou seja, o cuidado e a manutenção de nossos corpos, e a produção de novos trabalhadores (nossos filhos). Que tantas mulheres aceitem essa situação é consequência do seu status social. A exploração capitalista não pode ser separada da violência misógina e da discriminação racial. Os novos ataques aos direitos e autonomia das mulheres não aconteceram por acaso, e vêm na sombra da crise econômica que começou em 2008 e que ainda pode, em muitos lugares, ser sentida diariamente. Portanto, as políticas neoliberais e autoritárias afetam mais as mulheres, especialmente as mulheres migrantes.
Em resumo: hoje em dia as mulheres têm muito pouco ou quase nada a perder, em comparação com os homens. Portanto, são elas que podem arriscar um novo rumo. Talvez elas fazem, no presente, aquilo que Marx definiu como "classes com correntes radicais", que são "uma parte da sociedade civil [que] se emancipa e alcança o domínio universal; uma determinada classe [que], a partir da sua situação particular, realiza a emancipação universal da sociedade. Tal classe liberta a sociedade inteira". Um novo proletariado, portanto.
Assim sendo, uma greve de mulheres parece totalmente compreensível e a ideia se espalha por todo lado. Na Alemanha, os preparativos para a greve em 08 março de 2019 já começaram. As ativistas que tiverem interesse podem se juntar ao trabalho de organização, que vem sendo realizado em várias cidades na Alemanha. A greve de 2019 não se destina a substituir as passeatas que, em 2018, tiveram mais 10.000 pessoas participando só em Berlim - a greve vem para complementar e continuar o trabalho até agora feito. As coisas também podem ser vistas desta forma: depois de tanto tempo negociando, estamos prontas para iniciar uma nova etapa da luta.
Assim, uma greve de mulheres é um meio, e não um fim em si mesmo. No fim das contas, estamos preocupadas não somente em dar visibilidade, mas em mudanças fundamentais na sociedade. O formato de greve carrega em si vários valores próprios.
Greve política
A greve das mulheres, por exemplo, desafia a proibição de greves políticas na Alemanha. A validade desta proibição tem sido controversa e repetidamente questionada pelas trabalhadoras. É geralmente aceito que a disputa trabalhista atinge o destinatário errado quando as demandas políticas são dirigidas ao Estado e não ao Patrão. Mas há espaço para interpretação e negociação. Não são só as marxistas que apontam que a política e a economia estão, de várias maneiras, entrelaçadas. No capitalismo, diferentes grupos têm diferentes influências na política - o lobby da indústria automotiva influencia mais as decisões políticas do governo do que uma associação para fortalecer os direitos das trabalhadoras do sexo.
Essas diferentes possibilidades de influência são determinadas economicamente. Outras vozes apontam que a proibição de greves políticas contradiz os acordos internacionais assinados pela Alemanha. Em sindicatos como ver.di, GEW ou IG BAU, a demanda é feita repetidas vezes para incluir o direito a greves políticas na constituição alemã. Esses debates são hesitantes e desapareceram rapidamente. Agora são as mulheres que colocam o tema de volta na agenda. Assim, são elas que agora fazem contribuições ao "proletariado" (sic!) tradicional.
Tarefas domésticas não remuneradas
Outra coisa: faz tempo que as feministas enfatizam que trabalho significa não só o trabalho assalariado, mas também o trabalho doméstico, o de cuidar e o de educar, todos não remunerados; e todos os numerosos serviços de apoio emocional, voluntário e comunitário, que cria redes invisíveis de apoio. Silvia Federici apontou que nunca houve uma greve geral real, já que as mulheres nunca conseguiram parar de executar essas atividades. Portanto, uma greve feminista visa não apenas o trabalho assalariado, mas o não assalariado em todas as áreas. Isso é tão novo que novas formas e expressões da greve precisam ser imaginadas. Ter cuidadores de crianças e de adultos com necessidades especiais, trabalhando voluntária e coletivamente, em locais públicos, são apenas ideias iniciais. As espanholas também fizeram algumas sugestões para as áreas de trabalho assalariado, trabalho doméstico, educação e consumo, que podemos dar continuidade. Aqui, também, a greve serve para dar forma aos argumentos teóricos que debatem a extensão do conceito de trabalho e para melhor compreendê-los.
Além disso, a greve oferece uma nova chance de fazer algo juntas -- independente do histórico que alguém tenha. Geralmente é difícil encontrar uma demanda que una a todas. Isso é compreensível, porque as mulheres têm experiências muito diferentes e, portanto, têm diferentes problemas e preocupações urgentes. Para muitas, a valorização econômica de seus empregos está em primeiro plano; para outras, o direito de permanecer na Alemanha; para outras, a mudança da lei transexual, que é discriminatória; para outras, o direito a aborto seguro.
A greve feminista pode combinar essas lutas, em solidariedade umas com as outras, porque elas têm as mesmas origens. Se argumentarmos como mulheres brancas com um passaporte alemão pela legalização de todas as mulheres em situação ilegal, isso não é uma luta por procuração. É a luta contra um sistema de exploração e competição, exclusão e desvalorização que nos atinge a todas da mesma maneira - mesmo que não com a mesma consistência. Na greve das mulheres, as diferenças devem se tornar uma força comum na luta contra as políticas autoritárias, neoliberais, sexistas e racistas. Algumas pessoas discutem há dois anos sobre uma nova política -- nós, mulheres, já estamos colocando ela em prática.
* Ao usarmos "mulheres*" com asterisco, nos referimos a todas as pessoas que se definem como mulheres ou que são definidas como mulheres pela sociedade, incluindo pessoas trans* e intersexuais. O asterisco, portanto, não é usado para diferenciar, e sim para mostrar que se trata de uma identidades sem limites definidos, que lida com uma realidade social.
Alex Wischnewski trabalha na rede "Care Revolution". Kerstin Wolter foi co-fundadora da aliança "Dia da Luta da Mulher". Ambas são membras do partido DIE LINKE.
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