"O ministro Paulo Guedes enviou uma proposta de reforma tributária que colocou uma taxação de 12% em cima dos livros. Atualmente, os livros não possuem essa taxa, pois o objetivo disso (quando proposto por Jorge Amado) era tornar o acesso à cultura mais fácil. Infelizmente, sabemos que esse acesso já não é tão fácil assim. Se aprovado o Projeto de Lei 3887/2020, os livros irão se tornar mais caros e inacessíveis do que já são para grande parte da população. Afetando, assim, não somente os que têm apreço à leitura, mas também editoras menores sustentadas por famílias que já LUTAM por sua sobrevivência e, consequentemente, autores de livros - em especial os nacionais não famosos".
passa doido de alegria com sua jumentinha e vai para a cidade, vai para a cidade leva no seu pensamento todo mundo cheio de felicidade, de felicidade pensa em melhorar a situação de sua casa, que é toda sua alegria, sim
e alegre o matutinho vai pensado assim dizendo assim, cantando assim pelo caminho: "se eu vendo essa carga meu deus querido um traje para a mulher eu vou comprar!" e alegre vai sua burrinha também sentindo seu cantar que é todo um hino de alegria
e nisso vem o nascer do dia
ao chegar na feira da cidade
passa a manhã inteira sem que ninguém queira
sua carga comprar, sua carga comprar tudo está deserto e o povo está passando necessidade, necessidade os lamentos se ouvem em toda parte em caruaru, infeliz cidade
e triste o matutinho vai pensando assim dizendo assim, chorando assim pelo caminho "que será de caruaru meu deus querido que será dos meus filhos e do meu lar" caruaru a capital do forró a que, ao cantar, o grande gonzaga chamou de país e agora que sofre com tantos pesares deixa eu cantá-los também
por anos era impossível ouvir lamento borincano sem cair nos prantos. a partir do momento que pude entender a letra (com aquela versão de caetano veloso), ela sempre me lembrou vovô, a parte da biografia dele que não vivi, porque foi antes deu nascer. imaginar vovô perambulando pelo agreste de pernambuco tentando vender, como ambulante, os frutos de seu trabalho, era imagem e passado demais pra mim, que só o conheci como agricultor aposentado pelo funrural.
com o tempo minha relação com a letra, assim como com a ausência de vovô, morto em 2003, foi ficando menos dolorosa, porque à medida que eu me politizava mais agência eu via na existência dele (sofrida pela falta de recursos, mas plena na consciência de classe que ele tinha).
hoje eu consigo escutar lamento borincano como o retrato da realidade dos trabalhadores rurais e/ou autônomos da américa latina e das periferias do capitalismo que ela é. não tenho fetiche pela derrota e não romantizo o sofrimento do povo, mas acho que essa letra, assim como a de pearls de sade, e asa branca, de luiz gonzaga, nos ajudam a lembrar que existe um mundo cheio de gente sofrendo por questões que atravessam, em maior ou menor escala, todes nós trabalhadores.
eu fiz essa tradução sem muito rigor métrico, apenas pensando em vovô e nessas músicas latinas, que são icônicas pra classe trabalhadora e pros emigrados internos. e escrevo esse post ciente de que essas que cito, lamento borincano e asa branca, são apenas duas de milhares, porque se tem uma coisa que ninguém sabe fazer melhor do que a américa latina é música popular.
fiz essa tradução num domingo de noite morrendo de saudade de pernambuco, de vovô, de vovó, do nordeste, preocupada com o agreste de pernambuco que tanto tem sofrido com o corona, preocupada com a paraíba, enfim, preocupada.
*
a versão original, do portorriquenho Rafael Hernández Marín, reflete a situação econômica dos trabalhadores rurais pobres de porto rico do anos 20, cujo sofrimento culmina com a depressão de 1929 (a música foi gravada no mesmo ano). o que traduzi como "matutinho" é, no original, "jibarito" - jíbaro é relativo a um povo ameríndio da zona oriental do equador ou o nome que se refere aos camponeses que habitam as regiões montanhosas da ilha de porto rico/Borinquen. a canção não usa o nome moderno porto rico, mas sim seu nome pré-colombiano, Boriquen (daí o título). eu tomei a liberdade de traduzir Borinquen para Caruaru porque traduzi a letra pensando em vovô. no original, Hernandez Marín cita ainda o poeta portorriquenho José Gautier Benitez ("el gran gautier"), que traduzi como luiz gonzaga que é, por sua vez, o compositor de asa branca, um poema sobre migração interna: