vou participar de uma exposicao que abre dia 25, em sao paulo (conto mais detalhes depois) e o tema que eu mesma sugeri tem a ver com casa, com estar em casa, com o lugar no qual uma pessoa se sente em casa.
prestes a mudar a vida toda de novo, pensar nesse assunto está sendo mais doloroso do que pensei que seria, quando sugeri o tema.

eu gosto muito da palavra pra mendigo em inglês: homeless. significaria dizer que nós, chutados da própria terra natal, somos mendigos forcados, um estupro geográfico (ou quem sabe real) que nos tira daquilo que entendemos instintivamente como porto seguro: a cidade onde nascemos.
eu nao tenho esse porto, e meu barco acaba sempre rumando para portos aliados, geralmente bem longes da linha do equador (sejam eles acima ou abaixo daquele).
de recife eu mantenho distância. escolhi o auto-exílio. o peso que essa cidade abriga tem a ver com o abuso sofrido aos 12, o outro aos 25, os cinco assaltos, o machismo, a falta do que fazer, a furacao de olho, o rebuceteio, a pseudo liberacao sexual cultural intelectual que os agentes culturais de recife insistem em pregar somente para nao pôr em prática.
como é ruim detestar a cidade onde se nasceu, porque você precisa procurar outra - sendo bem piegas, você precisa nascer de novo.
eu nasci de novo quando conheci armin. esse mérito ninguém tira desse homem que, ciente da minha biografia inteira, fez do nosso edredon uma cabana na qual ninguém nunca consegueria me ferir.
a nao ser ele. ou eu mesma.
e aí me pergunto: se o sentimento de casa nao existe nem mesmo naquela que escolhi, que construi, onde está?
nisso entra sao paulo. um espaco urbano detestável, onde eu acabei por encontrar um lugar onde eu me sentia anônima o suficiente para me sentir a salvo.
mas ainda nao gostava de como eu me sentia.
isso foi acontecer em berlim - lugar esse que, por simplesmente nao ser o país onde nasci, nunca poderei chamar de casa.
em protuguês, usamos "terra natal" para nomear o lugar onde nascemos e a palavra "natal" se refere tao somente a nascimento. em alemôo, o lugar onde uma pessoa nasceu é "heimatstadt", sendo "heimat" a traducao para "lar".
e eu amo pensar na construcao desse substantivo alemôo, o que ele significa, mas também o que ele representa.
pensar nisso tudo - por um motivo tao bom, eu adoro expôr porque adoro pensar no look vou usar na vernissage - é nesse momento ainda mais dolorosamente construtivo porque lá vou eu fazer as malas (dessa vez, bem grandes) e com a boca cheia de palavras dizer "i am going home". seja lá o que "home" signifique.