Recife morreu no meio do trânsito da Agamenon Magalhães, na vi(d)a local, pegando pra o Derby.
Recife morreu num último suspiro fundo, triste como a quarta-feira de cinzas cantando seu último frevo.
E morreu longe de mim, ali, mais distante do que a lonjura geográfica, longe de dentro. Sem tempo pra os abraços, sem idas e vindas nesse nosso relacionamento.
Recife morreu ali, na Mustardinha. Nas bicicletas que carregam crianças de colo debaixo do sol escaldante e único daquele bairro que mais parece a Índia, sem sinal, sem parada, sem faixa, sem lei e sem rei. Eu nunca fui a Índia, mas pelo menos se parece com a Índia que conheço na minha imaginação.
Morreu também do Pina a Setúbal, sob imagem de ser sem ser. Recife morreu na beira mar, pisoteada por salto quinze ou asfixidada por Chanel nº 5, falsificado ou não. Não há espaço pra o cheiro bom de maresia, cheiro de férias e protetor solar. Não cabe nem a minha alegria naquele calçadão estreito com uma ciclovia que desafia a inteligência das pessoas e a coordenação motora dos ciclistas.
Recife não tem mais sorriso nas ruas. Porque não há mais ruas, só vias. Não tem pedestres, não cabe. Não há espaço pra gente, só carros. Corta um pedaço da praça e cria mais uma faixa, corta, corta. Picota Recife feito aqueles folderes comtickets destacáveis de promoção. Liquida Recife a preço de banana, vai que a hora é essa, ou vem sendo, horas, meses, anos, gerações.
Recife morreu entre torres gigantescas que combinam com sua megalomania de cidade. Morreu no maior estacionamento de aeroportos da América Latina. Morreu abraçando a Caxangá, a mais longa avenida do mundo, do Brasil, da linha do Equador pra baixo ou apenas da cabeça das pessoas.
No enterro de Recife, tinha gente, muita gente importante. Todos choravam o fechar daqueles "olhos de mar". Mas afogaram o mar com lixo, com mijo, com desprezo. O funeral aconteceu no Marco Zero. Aquela palma de mão arquitetônica tão linda que, no dia, limitou-se a segurar tantos egos. Eu, que estava presente, chorei de saudade. Uma saudade de um tempo que nunca veio, que eu nunca peguei com as mãos. Aquela saudade de esperança que se frustrou.
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Mataram o Recife
Recife morreu.
Recife morreu no meio do trânsito da Agamenon Magalhães, na vi(d)a local, pegando pra o Derby.
Recife morreu num último suspiro fundo, triste como a quarta-feira de cinzas cantando seu último frevo.
E morreu longe de mim, ali, mais distante do que a lonjura geográfica, longe de dentro. Sem tempo pra os abraços, sem idas e vindas nesse nosso relacionamento.
Recife morreu ali, na Mustardinha. Nas bicicletas que carregam crianças de colo debaixo do sol escaldante e único daquele bairro que mais parece a Índia, sem sinal, sem parada, sem faixa, sem lei e sem rei. Eu nunca fui a Índia, mas pelo menos se parece com a Índia que conheço na minha imaginação.
Morreu também do Pina a Setúbal, sob imagem de ser sem ser. Recife morreu na beira mar, pisoteada por salto quinze ou asfixidada por Chanel nº 5, falsificado ou não. Não há espaço pra o cheiro bom de maresia, cheiro de férias e protetor solar. Não cabe nem a minha alegria naquele calçadão estreito com uma ciclovia que desafia a inteligência das pessoas e a coordenação motora dos ciclistas.
Recife não tem mais sorriso nas ruas. Porque não há mais ruas, só vias. Não tem pedestres, não cabe. Não há espaço pra gente, só carros. Corta um pedaço da praça e cria mais uma faixa, corta, corta. Picota Recife feito aqueles folderes comtickets destacáveis de promoção. Liquida Recife a preço de banana, vai que a hora é essa, ou vem sendo, horas, meses, anos, gerações.
Recife morreu entre torres gigantescas que combinam com sua megalomania de cidade. Morreu no maior estacionamento de aeroportos da América Latina. Morreu abraçando a Caxangá, a mais longa avenida do mundo, do Brasil, da linha do Equador pra baixo ou apenas da cabeça das pessoas.
No enterro de Recife, tinha gente, muita gente importante. Todos choravam o fechar daqueles "olhos de mar". Mas afogaram o mar com lixo, com mijo, com desprezo. O funeral aconteceu no Marco Zero. Aquela palma de mão arquitetônica tão linda que, no dia, limitou-se a segurar tantos egos. Eu, que estava presente, chorei de saudade. Uma saudade de um tempo que nunca veio, que eu nunca peguei com as mãos. Aquela saudade de esperança que se frustrou.
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