Wednesday, September 30, 2015

poema-protesto do livro novo de ricardo domeneck

dedicado a esta que vos escreve:



a foto é do FB de yasmin nigri



a quem interessar possa, "medir com as próprias mãos a febre" saiu essa semana pela editora 7letras e em outubro sai pela mariposa azul, em portugal.

ricardo.

Saturday, September 26, 2015

o estupro de lucrécia

lucrécia foi estuprada enquanto dormia por sexto tarquínio, filho de lúcio, que viria a ser o último rei de roma. depois da violação, lucrécia se mata em público, clamando por justiça e assim deu-se início uma guerra que acabou com monarquia romana.







o suicídio de lucrécia por lucas cranach


lucrécia e suas amas
(não achei o autor)


ilustração do século 16, mostrando o ataque e depois 
lucrécia pedindo por justiça diante de testemunhas

o suicídio, do estúdio delucas cranach, o autor
assinou como I. W. em 1525


o suicídio por rembrandt, 1664


o estupro por rubens, 1619

o estupro por simon vouet

a pintura é de ticiano, 1571,
mas o que mais me impressiona é 
a legenda do wikipedia português



Friday, September 25, 2015

the nude swim, de anne sexton

O NADO NU1

No sudoeste de Capri
encontramos uma grutinha secreta
onde não havia ninguém e nós
nos metemos nela até o fim e
liberamos nossos corpos de toda
solidão.

Tudo o que em nós é peixe
se deixou levar.
Os peixes de verdade não deram a mínima.
Não atrapalhamos suas vidas íntimas.
Nadamos tranquilos por cima
e por baixo deles, compartilhando
bolhas de ar, brancas, ínfimas
bexigas, que emergiam rápido
até o sol banhando o barco
onde o italiano tirava uma soneca
cobrindo a cara com um chapéu.

A água era tão clara
que dava para ler um livro.
A água era tão tranquila
que se podia boiar sem medo.
Me deito nela como me deito no divã2.
Me deito nela como
a odalisca vermelha de Matisse.
Sendo a água a flor estranha,
é preciso imaginar uma mulher
sem toga nem lenço
num sofá cavado como um túmulo3.

As paredes daquela gruta
tinham todos os tons de azul
e tu disseste "Ó! Teus olhos
são da cor do mar. Ó! Teus olhos
são da cor do céu". E meu olhos
se fecharam em
repentina vergonha4.




The Nude Swim

On the southwest side of Capri
we found a little unknown grotto
where no people were and we
entered it completely
and let our bodies lose all
their loneliness.

All the fish in us
had escaped for a minute.
The real fish did not mind.
We did not disturb their personal life.
We calmly trailed over them
and under them, shedding
air bubbles, little white
balloons that drifted up
into the sun by the boat
where the Italian boatman slept
with his hat over his face.

Water so clear you could
read a book through it.
Water so buoyant you could
float on your elbow.
I lay on it as on a divan.
I lay on it just like
Matisse's Red Odalisque.
Water was my strange flower,
one must picture a woman
without a toga or a scarf
on a couch as deep as a tomb.

The walls of that grotto
were everycolor blue and
you said, 'Look! Your eyes
are seacolor. Look! Your eyes
are skycolor.' And my eyes
shut down as if they were
suddenly ashamed.



reclining odalisque (harmony in red)
matisse, 1927


1.
"o nado nu" não somente me parece solene, como quase antipático, pretensioso. uma tradução que pensei muito foi "nadar pelada", que seria também o jeito mais "normal" de falar da mesma coisa. mas como a última estrofe revela uma "confissão", um momento de "nudez", achei melhor deixar assim. 
2.
é preciso lembrar da relação de anne com a psicanálise e, mais ainda, do fato de que esse livro foi escrito no período que o analista dela era o amante. eu acho a imagem desse verso tão piegas ("deitar na água como se fosse um divã" - pelamor de deus) mas, por outro lado, é um jeito lindo de aludir a ela mesma pensando no amante, enquanto viaja com o marido. no original ela fala do divã de maneira impessoal ("on A divan") mas eu traduzi para "no divã", querendo falar daquele específico, já que os dates de anne e seu analista se davam no consultório dele, ou seja, durante as consultas.
3.
dessa relação com a psicanálise vem o jogo sofá/divã que anne faz. escolhi traduzir como "cavado como um túmulo", ainda que no original ela use "deep", que é fundo/profundo. "cavado" é sim sinônimo pra fundo, mas se usa mais como particípio que como adjetivo e ideia de medida (ao menos não na linguagem falada). de toda forma, escolhi "cavado como um túmulo" primeiro pela sonoridade: "sofá fundo", "sofá profundo" soam mal.

além disso, no sofá da psicanálise se "cavam" as coisas (da vida interna) e, neste sofá especificamente, ela não somente fazia sessões de análise como fazia amor com o analista (a alusão à nudez nos versos "é preciso imagina uma mulher/sem tonga nem lenço" também faz esse paralelismo, entre se desnudar pra fazer amor e se desnudar diante do analista, falar das entranhas). uma relação de transferência complexa - meio a morte da terapia, sei lá. fiquei pensando muito tempo nisso. enfim, ela fala de túmulo do fim do verso, então achei melhor usar "cavado", que lembra cova, cavar a própria cova, sem deixar de ser sinônimo pra "fundo"/"deep".

eu podia ter escrito "fundo como uma cova", que seria uma opção simples e boa, mas ia criar musicalidade com "toga" do verso anterior (e não queria tirar "toga"; que genial essa palavra aí no meio) e no original não há musicalidade entre esses 2 versos.
4.
foi muito difícil traduzir o último verso, por sua simplicidade. "ashamed" é uma vergonha relacionada a culpa, diferente da vergonha embaraço (que é quando há "público"). pensei em traduzir por "remorso", que é bem próximo, ou simplesmente "culpa" (e ainda filosofei pensando em "tristeza" "cansaço" "pesar"), mas nenhuma se aproxima tanto da ideia de "embaraço culpado" de "ashamed". fiquei entre "remorso" e "vergonha". optei pela última, simples e eficaz, que é o que provavelmente uma pessoa falaria na vida real. mas sei que não é a tradução ideal. aceito sugestões.

Wednesday, September 23, 2015

gente bora ajudar o daniel!

o sonho de daniel é ir pra sua formatura com a mastectomia masculinizadora feita.
eu fiquei tão emocionada com a sinceridade e a simplicidade do pedido dele que tive que compartilhar aqui.


clica aqui pra ajudar o rapaz e aproveita e compartilha o link nas ruas redes!





Tuesday, September 22, 2015

a profeta lendo meu livro


érica zíngano fez uma leitura fundamental do meu livro (reclamando da quantidade de pontos finais e da minha incapacidade de pontuar os verbos no passado - entre outras coisas, mais importantes que gramática), em VINTE páginas de um pdf com comentários. mas o que eu queria compartilhar mesmo é o afeto, no final:



"eu tô agarrada com você desde ontem"







ps: o livro sai pela douda correria em 2016.

Sunday, September 20, 2015

look do século

sinceridades feat. obsessão






Friday, September 18, 2015

groupie das amiga

recomendo recomendo recomendo com muito amor.

Sunday, September 13, 2015

schengen goddam




pudessem os homens brancos em bruxelas
e thomas de maizière
ouvir este meu poema estaria resolvida
a questão das fronteiras e seus
problemas veja bem senhor ministro
em minha cama não se pede visto
já troquei lençóis e fronhas
sujos de sêmem made in espanha
hungria áustria zimbábue iraque
alemanha
fazemos a alegria uns dos outros
e diga-me senhor ministro
se não fôssemos nós
quem mais a faria?
e quem faria seu demográfico
crescimento? dele somos
responsáveis - diz fatou diome -
em 40% e sem nós
expatriados diga mesmo
senhor ministro
de onde viriam tantas delícias
as teses os ensaios a vida as baladas
os bares os quadros com quais
lucram vossos museus os livros
premiados com os quais
lucram (ou lucravam) suas poeirentas
livrarias?
haveria para pasolini este
homem europeu
um futuro mais duradouro
tivesse pasolini se refugiado?
talvez fosse morto na síria na líbia
ou na casa de caralho mas menos
por ser refugee e mais por ser viado
(sim um grande problema mas esse
não é hoje o tema do poema)
já deitei em futons tapetes colchões
e carpetes de toda sorte de gente
inclusive os de budapeste que se
mostram agora os mais cabrões
(os jogadores de golf de melilla
não são menos sinistros) o segredo
senhor ministro deixa eu explicar
é abrir não somente as fronteiras
mas o coração sermos bons como lou
salomé que fez a caridade de comer
nietzsche e para o próprio deleite ainda deu
pra rée e (dizem) rilke sermos bons com
quem vier não importando a cor do
passaporte nem do sujeito apenas dando
muito seja lá do quê - um visto um teto
um trabalho um hallo um meio
de transporte mais seguro e
ventilado que um caminhão
e um destino mais humano
que o injusto e raso para onde
eu você e petra laszlo mandamos
o pai anônimo e seu filho (o chão).





apenas aprendam
(rée, salomé e nietzsche)

Friday, September 11, 2015

o beijo, de anne sexton



O BEIJO

Minha boca lateja como uma úlcera.
Fui o ano inteiro ignorada, noites
chatíssimas, nada além de cotovelos ásperos
e caixinhas de Kleenex gritando crybaby
crybaby, sua abestalhada!

Até ontem meu corpo era inútil.
Agora se rasga nas partes ossudas.
Faz do manto de Maria pó, de nó em nó
e olhe – Agora atingida por um certo raio:
Bum! Ressuscitou!

Antigamente havia um barco, de madeira
e sem utilidade, sem mar embaixo
e precisando de uma demão de tinta. Não era muito
além de um bocado de tábua. Mas ela você alçou e laçou.
Ela foi escolhida.

Meus nervos à beira de um ataque. Posso ouvi-los como
instrumentos musicais. Onde antes havia silêncio:
bateria, irremediavelmente as cordas tocam. Você é o responsável.
Trabalho de gênio. Querido, o compositor se mete
fogo adentro.






THE KISS

My mouth blooms like a cut.
I've been wronged all year, tedious
nights, nothing but rough elbows in them
and delicate boxes of Kleenex calling crybaby
crybaby, you fool! 


Before today my body was useless.
Now it's tearing at its square corners.
It's tearing old Mary's garments off, knot by knot
and see — Now it's shot full of these electric bolts.
Zing! A resurrection!

Once it was a boat, quite wooden
and with no business, no salt water under it
and in need of some paint. It was no more
than a group of boards. But you hoisted her, rigged her.
She's been elected.

My nerves are turned on. I hear them like
musical instruments. Where there was silence
the drums, the strings are incurably playing. You did this.
Pure genius at work. Darling, the composer has stepped
into fire.





"o beijo" é o segundo poema do livro love poems. tanto poema quanto livro não são os melhores de anne, mas o que faz de love poems especialmente atraente para mim é o livro de poesia como projeto. é a análise laboratorial que ela desenvolve em torno de um único tema e, ainda que ela aqui e ali fale de outras coisas, o tema ou mote é o adultério e seus protagonistas, com o corpo como arma do crime, por assim dizer.

nos pontos altos, anne transfere a obsessão que antes tinha com a morte e historização da própria biografia, prum homem (o marido e o amante). poemas como for my lover returning to his wife, pelo qual sou especificamente obcecada e cuja tradução pretendo postar aqui um dia antes de 2019, têm uma força mãe-natureza e um nível de empatia que ainda me deixam besta.

os love poems foram escritos durante o romance que anne sexton teve com seu segundo analista. sem saber dessa informação, é mais difícil entender por quê da linguagem às vezes encriptada que anne - uma senhora casada e mãe de filhos, dos subúrbios de boston - utiliza no livro, publicado em 1969. essa linguagem encriptada resulta eventualmente num tom solene que às vezes cai na cafonice, com metáforas fábio júnior distantes da força crua que aparece no livro anterior, all my pretty ones. essa "solenidade" tem sido minha maior dificuldade traduzindo outros dos love poems. nem por isso o livro é menos sexy. se não me engano, foi o que mais vendeu (até a publicação de transformations, em 1971).

nesse livro, anne também relaxa com métrica-e-musicalidade que lhe consagraram em to bedlam and part way back, seu livro de estreia. o cuidado com a versificação que ela mostrou nos seus primeiros dois livros têm, na minha opinião, muito a ver com a doença mental de que ela sofria. em love poems, no entanto, ela transfere a obsessão pela estética em uma obsessão pelo sujeito. uma troca tão ou mais arriscada.

esse poema eu gosto pela imagem da mulher febril que, depois dum período de seca, volta a ser beijada (e comida, né, assim esperamos); eu gosto da descrição da explosão interna que anne faz, de como ela lida com o tesão e a adoração que ela dedica ao boy que a tirou do limbo sexual, chamando-o de gênio.


essa foi então a minha tradução-traição pro português nordestino (tentando diminuir as "solenices" do poema original; tentando me afastar da semântica e me aproximar do que o poema quer dizer, mas mantendo algumas rimas/ecos internos).