outra tradução dominical, dessa vez feita na varadinha, já não tem mais menino que foi passear, mas tem um livro (pra ler a tradução de domingo passado, clica aqui).
O divórcio
Primeiro era apenas um tremor na pele -
"Como tu preferir" -, ali onde a carne é mais escura.
"O que é que tu tem?" - Nada. Sonhos leitosos
de abraços, mas na manhã seguinte
o outro parece outro, estranhamente ossudo.
Mal-entedidos afiados. "Naquele dia em Roma -"
Eu nunca disse isso. - Pausa. O coração bate acelerado,
um tipo de ódio estranho. - "Não é disso que eu tô falando."
Repetições. Uma certeza brilhantemente clara:
de agora em diante tá tudo errado. Inodora e nítida,
como uma foto de RG, essa pessoa que desconheço
com uma xícara de chá na mesa, olha fixamente.
Isso é inútil é inútil é inútil:
ladainhas na cabeça, náuseas se aproximando.
Fim das acusações. Devagar o quarto inteiro
vai se enchendo de culpa.
A voz que soa é estranha, só os sapatos,
que fazem barulho no piso, os sapatos não são.
Da próxima vez, num restaurante vazio,
em câmera lenta, migalhas de pão, se falará de dinheiro,
rindo. A sobremesa tem gosto de metal.
Duas pessoas que não se tocam. Sensatez aguda.
"As coisas não são tão ruins assim". Mas à noite
o desejo de vingança, a briga burra, anônima,
como dois advogados esqueléticos, dois caranguejos grandes
na água. Depois a exaustão. Devagar
a ferida se abre. Encontrar uma tabacaria nova,
um endereço novo. Párias assustadoramente aliviados.
Sombras que vão ficando menos escuras. Eis aqui o papel assinado.
Eis aqui as chaves. Eis aqui a cicatriz.
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