Cenário #9
Estou falando por meio de rasuras
removendo cada coisa à medida que ela é
pronunciada. Mas você é contra
isso, para além de método ou rotina.
Com todo esse meu fazer e desfazer
de repente fica difícil dizer
o que nos une
ou o que nos divide
no quarto escuro
onde você me toca
como tocaria a luz.
E eu estou aberta
para você, esperando o dia nascer
e percebendo que você é o tempo
me pressionando, se movendo suavemente
na minha direção. E eu sou agora.
amie siegel é uma artista estadounidense e ainda que ache que o trabalho poético dela deixa muito a desejar pelo seu tom de pregação, simplesmente acho esse poema belíssimo e queria mostrá-los pras senhoras. ele tá no livro "the waking life" (berkeley: north atlantic books, 1999).
o poema começa com ela falando do ato de escrever um roteiro (que é, afinal, aquilo que toda relação se torna) e o que me comove nesse texto é, considerando que a autora é uma artista audiovisual, a reflexão que ela tem sobre a mídia com a qual trabalha, e como ela transporta isso não somente para o poema mas para uma percepção de mundo.
o jogo de "realidade vs. ficção" que ninguém aguenta mais falar (eu pelo menos num guento mais) parece naturalmente superado por amie, que entende muito bem que a vida em si é uma performance, um eterno luzcâmeraação sem diretor pra ajudar nóis.
(pausa: isso me fez lembrar de dois poemas:
síndrome de estocolmo, de rita isadora pessoa, do livro
"a vida nos vulcões" (obrigada priscilla
pelas foto)
a vida na hora, de wislawa szymborska em tradução de regina przybycien
amie sabe do que escreve mas sabe também que é necessário haver fendas no plot, como há na vida; não entende se há, entre o casal, atração ou repulsa; e isso não é impedimento, para a autora. o entendimento está justamente em abraçar o caráter plano-sequência da vida.
o último verso é especialmente maravilhoso, "and I am now", uma dessas pequenas charadas da língua inglesa que me deixam tresloucada (como o "she is all there" da tradução de anne sexton). pode-se traduzir essa frase de várias maneiras, considerando ou contexto, ou entonação, ou a (ausência de) pontuação.
deixei "igual" (nunca é) ao original ("E eu sou agora") porque para mim pareceu a entonação mais próxima da ideia de continuidade - literalmente aquele "to be continued..." dos filmes, sabe? -, do final em aberto. se ela fosse O Agora, o poema estaria resolvido e terminado. mas considerando que nos versos anteriores há uma ideia de movimento e de incerteza (de edição, afinal), achei que esse final poderia ser um aceno para cenas do próximo capítulo, quase um "cenário #10".
não sei, pode ser que não, pode ser que tudo seja resolvido com a chegada do boy (que é meu modus operandi na vida real AHAH BRINKS) mas pra este texto achei que ficava melhor assim.
(esse post é dedicado ao italo que no dia do meu aniversário me deu o livro, que é meio ruim mas que tem uns versos muitos bonitos, como estes aí "and i am open/ to you, waiting for the day to close in/ an realizing you are time". aliás leiam italo que é muito bom, e aproveitem leiam a rita também, eles são melhor que amie).
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