Friday, December 01, 2017

Por que as mulheres transavam melhor no Socialismo


. texto de Kristen R. Ghodsee (professora de Estudos da Rússia e Leste Europeu na Universidade da Pensilvânia) publicado originalmente no NY Times (eca) em agosto deste ano
. traduzido por Adelaide Ivánova na série "é doutrinação esquerdista suficiente ou tá pouco?", inventada e liderada por ela mesma
. link pro originial em inglês: 

https://www.nytimes.com/2017/08/12/opinion/why-women-had-better-sex-under-socialism.html?_r=0 


family values
chapa da amiga flávio morgado


Quando os americanos pensam no comunismo do leste europeu, eles imaginam restrições de viagem, paisagens sombrias de concreto cinzento, homens e mulheres miseráveis ​ em longas filas para comprar em mercados vazios e serviços secreto perseguindo a vida privada dos cidadãos. Embora muito disso fosse verdade, nosso estereótipo coletivo da vida comunista não dá conta da história toda.

As mulheres do bloco oriental gozavam de muitos direitos e privilégios desconhecidos nas democracias liberais da época, incluindo os principais investimentos do Estado em educação e treinamento, sua incorporação total na força de trabalho, generosas licenças-maternidade e garantia de assistência gratuita à criança. Mas há uma vantagem que recebeu pouca atenção: mulheres sob o comunismo gozavam mais.

Um estudo sociológico comparativo de alemães do leste e do oeste realizado após a reunificação em 1990 descobriu que as mulheres do leste tinham duas vezes mais orgasmos que as mulheres ocidentais. Os pesquisadores ficaram maravilhados com essa disparidade na satisfação sexual relatada, especialmente porque as mulheres da Alemanha de Leste tinham dupla jornada de trabalho -- o formal e o doméstico. Em contraste, as mulheres da Alemanha Ocidental pós-guerra ficaram em casa e gozavam de todos os dispositivos produzidos pela economia capitalista. Mas elas transavam menos e o sexo era menos satisfatório pra elas do que para as mulheres que tinham que entrar na fila para comprar papel higiênico [as do leste comunista].

Como explicar essa faceta da vida por trás da cortina de ferro?

Ana Durcheva, da Bulgária, tinha 65 anos quando a conheci, em 2011. Tendo vivido seus primeiros 43 anos sob o comunismo, muitas vezes se queixava de que o novo mercado livre impediu a capacidade dos búlgaros de desenvolver relacionamentos amorosos saudáveis.

"Claro, algumas coisas foram ruins durante esse tempo, mas minha vida estava cheia de romance", disse ela. "Depois do meu divórcio, eu tinha meu trabalho e meu salário, e não precisava de um homem para me apoiar. Eu podia fazer o que quisesse".

Dona Durcheva foi uma mãe solteira há muitos anos, mas insistiu que a sua vida antes de 1989 era mais gratificante do que a vida de sua filha, que nasceu no final da década de 1970.

"Tudo o que ela faz é trabalhar e trabalhar", disse Dona Durcheva em 2013, "e quando ela chega em casa, à noite, ela está muito cansada para estar com seu marido. Mas não importa, porque ele também está cansado. Eles se sentam juntos na frente da televisão como zumbis. Quando eu tinha a idade deles, nós nos divertíamos muito mais".

No ano passado, em Jena, uma cidade universitária da antiga Alemanha Oriental, conversei com uma jovem recém-casada, de 30 anos, chamada Daniela Gruber. Sua própria mãe -- nascida e criada sob o sistema comunista -- estava pressionando-a para ter um bebê.

"Ela não entende o quanto é mais difícil agora -- era tão fácil para as mulheres antes do Muro cair", ela me disse, referindo-se ao desmantelamento do Muro de Berlim em 1989. "Elas tinham creches e jardins de infância, e elas podiam tirar licença de maternidade sem perder seus empregos. Eu trabalho com contratos temporários, não tenho tempo para engravidar".

Essa divisão geracional entre filhas e mães que atingiram a idade adulta antes e depois de 1989 apóia a idéia de que as mulheres tiveram vidas mais gratificantes durante a era comunista. Essa qualidade de vida vinha, em parte, do fato de que esses regimes consideravam a emancipação das mulheres como central para sociedades que se auto-definiam como avançadas e "cientificamente socialistas".

madonna
bebel
e engels
(doutrina mais que tá pôco!)


Embora os estados comunistas do leste europeu precisassem do trabalho das mulheres para realizar seus programas de industrialização rápida pós-Segunda Guerra Mundial, o fundamento ideológico para a igualdade das mulheres com os homens foi estabelecido por August Bebel e Friedrich Engels já no século 19 [nota da Adelaide #1: textos como "A origem da família, propriedade privada e Estado" (Engels) e "Mulheres no Socialismo" (Bebel) são cheios de passagens problemáticas, anti-feministas e heteronormativas sob uma leitura contemporânea, mas esses textos set the tone para uma mudança radical na percepção das mulheres como sendo seres políticos e civis]. Após a tomada do poder pelos bolcheviques, Vladimir Lênin e Aleksandra Kollontai permitiram uma revolução sexual nos primeiros anos da União Soviética, com Kollontai argumentando que o amor deveria ser liberado de considerações econômicas.

(LEIAM ALEXANDRA KOLLONTAI!)

A Rússia concedeu direito de voto às mulheres em 1917, três anos antes dos Estados Unidos. Também liberalizaram as leis de divórcio, garantiram direitos reprodutivos e tentaram socializar o trabalho doméstico investindo em lavanderias públicas e cantinas populares. As mulheres foram mobilizadas para a força de trabalho e se tornaram financeiramente independentes dos homens.

Na Ásia Central na década de 1920, as mulheres russas lutaram pela libertação das mulheres muçulmanas. Esta campanha verticalizada encontrou uma violenta reação de patriarcas locais que não queriam ver suas irmãs, esposas e filhas libertas dos grilhões da tradição.

Na década de 1930, Joseph Stalin retirou grande parte do progresso qu a União Soviética tinha alcançado do que diz respeito aos direitos das mulheres -- proibindo o aborto e promovendo a família nuclear. No entanto, a grave escassez de mão-de-obra masculina que se seguiu à Segunda Guerra Mundial estimulou outros governos comunistas a avançar com vários programas para a emancipação das mulheres, incluindo pesquisa científica patrocinada pelo Estado, sobre os mistérios da sexualidade feminina. A maioria das mulheres da Europa de Leste não podia viajar para o Ocidente ou ler jornais d'uma imprensa livre, mas o socialismo científico trouxe alguns benefícios.

"Já em 1952, os sexologistas checoslovacos começaram a fazer pesquisas sobre o orgasmo feminino e, em 1961, realizaram uma conferência exclusivamente dedicada ao tema", disse Katerina Liskova, professora da Universidade Masaryk na República Checa. "Eles se concentraram na importância da igualdade entre homens e mulheres como componente central do prazer feminino. Alguns até argumentaram que os homens precisam compartilhar o trabalho doméstico e a criação de filhos, caso contrário, não haveria bom sexo".

Agnieszka Koscianska, professora associada de antropologia na Universidade de Varsóvia, me disse que os sexologistas poloneses pré-1989 "não limitaram o sexo às experiências corporais e enfatizaram a importância dos contextos sociais e culturais para o prazer sexual". Foi a resposta do socialismo para o equilíbrio entre o trabalho e a vida: "Mesmo a melhor estimulação, argumentaram, não ajudará a alcançar o prazer se uma mulher estiver estressada ou sobrecarregada, preocupada com o futuro e a estabilidade financeira".

Em todos os países do Pacto de Varsóvia, a imposição da regra do partido único precipitou uma revisão abrangente das leis relativas à família. Os comunistas investiram grandes recursos na educação e treinamento das mulheres e na garantia de seu emprego. Os comitês estatais de mulheres procuraram reeducar os meninos para aceitar meninas como camaradas e tentaram convencer seus compatriotas de que o machismo era um remanescente de um passado pré-socialista.

Embora as disparidades salariais de gênero e a segregação do trabalho persistissem e, embora os comunistas nunca tenham reformado completamente o patriarcado doméstico, as mulheres comunistas gozaram de um grau de auto-suficiência que poucas mulheres ocidentais poderiam ter imaginado. As mulheres do bloco oriental não precisavam se casar, ou fazer sexo, por dinheiro. O estado socialista encontrou suas necessidades básicas e países como a Bulgária, a Polônia, a Hungria, a Tchecoslováquia e a Alemanha Oriental comprometeram recursos adicionais para apoiar mães solteiras, divorciadas e viúvas. Com as notáveis ​​exceções da Romênia, da Albânia e da União Soviética de Stalin, a maioria dos países da Europa Oriental garantiu o acesso à educação sexual e ao aborto. Isso reduziu os custos sociais da gravidez acidental e reduziu os custos de oportunidade de se tornar mãe.

Algumas feministas liberais no Ocidente reconheceram com relutância essas realizações, mas criticaram as conquistas do socialismo estatal, porque elas não emergiram de movimentos de mulheres independentes, mas representaram um tipo de emancipação verticalizada. Muitas feministas acadêmicas hoje celebram a escolha, mas também abraçam um relativismo cultural ditado pelos imperativos da interseccionalidade. Qualquer programa político de cima para baixo, que procure impor um conjunto universalista de valores, como a igualdade de direitos para as mulheres, está seriamente fora de moda.

Infelizmente, o resultado é que muitos dos avanços da libertação das mulheres, conseguidos nos países que integraram o Pacto de Varsóvia, foram perdidos ou revertidos. A filha adulta de Dona Durcheva e a jovem Daniela Gruber agora lutam para resolver os problemas da vida profissional que os governos comunistas resolveram para suas mães, no passado.

"A República me deu a minha liberdade", disse-me Dona Durcheva, referindo-se à República Popular da Bulgária. "A democracia retirou essa liberdade". [nota da Adelaide #2: acho que aqui ela devia ter dito "capitalismo", néam].

Quanto a Daniela Gruber, ela não tem ilusões sobre as brutalidades do comunismo da Alemanha Oriental; ela simplesmente deseja que hoje em dias "as coisas não fossem tão difíceis".

Porque elas defendiam a igualdade sexual -- no trabalho, no lar e no quarto -- e estavam dispostas a fazer dela uma imposição, as mulheres comunistas que ocupavam cargos no aparelho estatal poderiam ser chamadas de imperialistas culturais. Mas a libertação que elas impuseram transformaram radicalmente milhões de vidas em todo o mundo, incluindo as de muitas mulheres que ainda caminham entre nós como mães e avós de adultos nos atuais membros democráticos da União Européia. A insistência das camaradas sobre a intervenção do governo pode parecer pesada à nossa sensibilidade pós-moderna, mas às vezes as mudanças sociais necessárias - que logo se vê como a ordem natural das coisas - precisam de uma proclamação de emancipação de cima.


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