Graças aos esforços de militantes como Elena Lagadinova, as mulheres nos países comunistas gozavam de mais igualdade do que em qualquer outro lugar do mundo.
. artigo de Kristen R. Ghodsee (professora de Estudos da Rússia e Leste Europeu na Universidade da Pensilvânia) publicado na revista Jacobin (semi-eca -- mais sobre meu abuso em relação à Jacobin em breve) em dezembro de 2017
. traduzido por Adelaide Ivánova na série "é doutrinação esquerdista suficiente ou tá pouco?", inventada e liderada por ela mesma
. link pro original: https://jacobinmag.com/2017/12/elena-lagadinova-bulgaria-partisan-amazon-gender-equality
Ela provavelmente é a feminista mais fascinante da qual você nunca ouviu falar. E durante os sete anos que tive a honra de conhecê-la, ela compartilhou suas lembranças da Segunda Guerra Mundial e narrou uma história quase esquecida do ativismo das mulheres do século 20. Eu soube de sua morte súbita em um email-staccato enviado da Bulgária: a Amazona nos deixou. Sua vida abrangeu o fascismo, o comunismo e o clepto-capitalismo, mas ela nunca deixou de ter esperança.
elena com angela davis
(txoman)
"A Amazona" era o seu codinome. Aos 14 anos, Elena Lagadinova lutou contra a monarquia aliada-dos-nazi na Bulgária, sendo a mais jovem guerrilheira mulher. Décadas depois, sua paixão ajudou a definir o movimento internacional das mulheres durante a Guerra Fria. Outrora celebrada em ambos os lados da Cortina de Ferro, depois das mudanças políticas ocorridas com colapso do comunismo, em 1989, a história de Lagadinova foi esquecida.
Nascida em 1930, Lagadinova era filha de um carroceiro. No início de 1944, ela fugiu de sua terra natal, que pagava fogo, para se juntar ao pai e três irmãos em uma brigada de guerrilheiros antifascistas. "Eu carregava minha pistola roubada numa corrente ao redor do meu pescoço", ela me disse uma vez "para eu não esquecer dela, caso fôssemos atacados enquanto dormíamos".
Quando os comunistas chegaram ao poder na Bulgária em setembro de 1944, a jovem Elena liderou a procissão de partidários vindos das montanhas, em um cavalo branco. Sua imagem foi distribuída em jornais e revistas infantis de Belgrado a Moscou. Meninos e meninas do bloco oriental eram encorajados a serem "corajosos como a Amazona!".
Mais tarde, Lagadinova obteve um doutorado em agrobiologia e trabalhou como pesquisadora até 1967, quando o líder comunista da Bulgária precisou de uma figura carismática para se responsabilizar pelo Comitê de Mulheres. Já uma heroína de guerra, uma estudiosa respeitada e mãe dos três filhos, a Amazona dedicou os próximos 22 anos de sua vida para promover os direitos das mulheres.
Ela já tinha 80 anos quando comecei a entrevistá-la, em 2010. Durante as centenas de horas que passamos sentadas à mesa da sua sala de jantar, Lagadinova me presenteou com suas histórias sobre seus esforços locais e internacionais, em nome das mulheres. Fotos, cartas, recortes de jornais e relatórios oficiais abarrotavam seus armários e gavetas, documentando lutas épicas. Os registros nos arquivos estaduais corroboravam suas memórias.
Os americanos, que hoje lutam para alcançar equilíbrio entre trabalho e família, podem se surpreender ao saber que os búlgaros já faziam progressos substanciais sobre esses problemas mais de quatro décadas atrás. Entre 1969 e 1972, Lagadinova pressionou o politburo dominado pelos homens para expandir os apoios do Estado para as mães que trabalhavam fora. Suas propostas eram dispendiosas, e o Politburo hesitava. "Se vocês não vão me dar ouvidos", disse ela, "podem me enviar de volta ao meu laboratório!".
Graças à persistência de Lagadinova, em 1973 o governo búlgaro emitiu uma lei especial que dava às mulheres uma licença de maternidade generosa (de até três anos por cada criança), com a garantia de que seus empregos seriam mantidos na sua ausência e que os anos de licença-maternidade contavam com aposentadoria. O estado também se comprometeu a construir milhares de novos jardins de infância.
Durante o Ano Internacional das Mulheres das Nações Unidas, em 1975, Lagadinova liderou a delegação búlgara. Ela distribuiu as traduções da nova lei de sua nação, promovendo a ideia de que a igualdade das mulheres não poderia ser alcançada sem o apoio do Estado. Apesar da natureza autoritária do regime, neste campo a Bulgária tornou-se um modelo para outros países e, ao longo dos anos 1970 e 1980, Lagadinova forjou uma coalizão internacional de organizações de mulheres para pressionar os governos a financiarem as licenças-maternidade e as estruturas de acolhimento de crianças.
Lagadinova (no meio)
com membras do REWA -- RevolutionaryEthiopian Women's Association
em 1984
Depois que o Muro caiu, Lagadinova se aposentou da vida pública. Nos últimos 27 anos, ela viveu em uma sociedade que de rapidamente tornou-se hostil aos seus ideais igualitários, mas ela não sucumbiu ao desespero. "Não basta lutar contra as coisas que você odeia", ela insistiu quando a vi pela última vez em maio deste ano, "você deve lutar por aquilo em que acredita".
Para Elena Lagadinova, esse "algo" era igualdade de gênero, e a ideia de que os Estados devem apoiar as mulheres como trabalhadoras e mães. Lagadinova acreditava que os mercados livres sempre colocariam as mulheres em desvantagem devido ao seu papel reprodutivo.
A batalha pela verdadeira igualdade de gênero está longe de terminar. Mas, assim como o lançamento do Sputnik em 1957 estimulou o Ocidente a avanços científicos e tecnológicos, o ativismo das mulheres do bloco oriental, como Elena Lagadinova, provavelmente acelerou o avanço dos direitos das mulheres no Ocidente.
Os países ocidentais poderiam usar desculpas e fazer ressalvas, mas o fato é: apesar de suas muitas falhas, os países comunistas tinham maior igualdade jurídica para as mulheres e um maior apoio às mulheres como trabalhadoras. Até hoje, os Estados Unidos ainda ficam atrás do resto do mundo em aspectos fundamentais e continua sendo um dos poucos poucos países que não possuem uma lei que regule licença parental remunerada.
Em 29 de outubro, Elena Lagadinova morreu enquanto dormia, talvez ainda sonhando com uma época em que as mulheres seriam iguais aos homens. Uma Amazona caiu. Mas graças a seus esforços, há exércitos mais capazes de enfrentar a luta.
* nota da Adelaide: o título original é "The youngest partisan", sendo partisan uma palavra que eu amo em inglês mas em português tanto pode ser "membro de partido" como "guerrilheira". Já que ela era as duas coisas, usei "guerrilheira" no título, pra mantê-lo curto como o original
2 comments:
amando estas postagens <3
e eu amo a senhora.
ALOK.
só sei conversar contigo assim AHAH.
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