Monday, December 18, 2017

No México, a ANUEE, uma associação de consumidores de energia elétrica está se transformando num movimento de mulheres


Energia e rosas
No México, uma associação de consumidores de energia elétrica [a ANUEE] está se transformando num movimento de mulheres.

. artigo de Cinzia Arruzza, professora assistente de Filosofia na New School, publicado na revista Jacobin em dezembro de 2017
. traduzido por Adelaide Ivánova na série "é doutrinação esquerdista suficiente ou tá pouco?", inventada e liderada por ela mesma
. link pro original: https://jacobinmag.com/2017/12/mexico-energy-privatization-anuee-sme 

. ATENZIONE: eu achei o texto MUITO mal-editado, no que diz respeito à cronologia dos fatos que culminaram na criação do movimento. Assim, troquei a ordem dos parágrafos, sem mudar em absoluto seu conteúdo. Confiem em mim, ficou melhor. 


essa foto de frida kahlo
não tem absolutamente nada a ver com esse artigo
é apenas pra atrair mais cliques no facebook
e PARA LEMBRAR QUE FRIDA ERA COMUNISTA
E NAO ESTAMPA DE SHOPPING BAG
#piriguetismodeguerrilha



Em 1936, o SME (Sindicado Mexicano de Eletricistas), com uma greve que deixou toda a Cidade do México sem luz, obteve uma grande vitória contra os patrões, a empresa canadense-britânica Mexican Light. Com isso, e após a nacionalização do sistema energético em 1960, o sindicato tornou-se um ponto de referência para o sindicalismo radical e politicamente independente e, nos últimos anos, promoveu a criação da Nova Confederação dos Trabalhadores (NCT) e de uma nova coligação política, a OPT (Organização Política do Povo e dos Trabalhadores), atualmente envolvida na campanha presidencial de María de Jesús Patricio Martínez, uma indígena zapatista [nota da Adelaide #1: em breve este artigo sobre ela, traduzido neste vodca!].

A atual luta pela energia pública e acessível remonta à década de 1990, quando o governo de Salinas de Gortari privatizou 40% da geração de energia, abrindo o mercado do México para empresas transnacionais com sede em Espanha.

À medida que a oposição dos trabalhadores à privatização cresceu, os desejos das elites de derrotar a oposição e abrir o caminho para seus projetos de "modernização" cresceu também. Em 2009, em uma tentativa de destruir o Sindicato, o governo de Felipe Calderón liquidou a empresa pública de energia Light and Power, enviando o exército e força policial para fechar o local. Ele deixou dezenas de milhares de trabalhadores sem emprego.

No mesmo ano, o SME convocou os consumidores a mobilizar-se contra a privatização do setor de energia, que tinha provocado aumento das tarifas de eletricidade, impossíveis de pagar. Em 2010, a ANUEE  (Assembléia Nacional de Usuários de Energia Elétrica) nasceu, fruto desta mobilização. 

Em 2013, o governo de Peña Nieto impulsionou novas reformas energéticas, incluindo uma emenda constitucional legalizando o processo de privatização. Os principais beneficiários dessas medidas são as empresas multinacionais espanholas Iberdrola, Unión Fenosa e Endesa, que colhem 70% dos lucros do setor de energia privada. No entanto, desde a negociação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), os Estados Unidos também desempenharam um papel fundamental ao pressionar os governos mexicanos na privatização de setores estratégicos.

Este é o contexto em que a ANUEE cresceu. A ideia por trás da sua criação foi combinar a luta dos trabalhadores com a mobilização no âmbito da reprodução social. A organização agora possui uma participação de mais de 100 mil famílias e pequenas empresas e organizou centenas de ações, tornando-se um importante personagem no movimento de re-nacionalização do sistema energético. Também promoveu formas de desobediência civil, convidando a população a não pagar contas de energia e bloqueando as tentativas das empresas de cortar a luz dos usuários inadimplentes. 

Ao longo dos anos, suas posições mudaram, indo de pedido de perdão de dívidas e taxas justas, para a reivindicação de energia enquanto direitos humanos, vinculando essa demanda a uma crítica mais abrangente ao capitalismo neoliberal. Em 2017, com uma ocupação de 46 dias na Comissão Federal de Eletricidade (CFE), o movimento conseguiu uma vitória importante na luta contra o aumento das tarifas.

Entre os ganhos: a promessa do governo de perdoar a dívida pendente, que em alguns casos atingiu até 15.800 dólares, e a promessa que os consumidores possam escolher qual empresa querem contratar como provedora de energia [nota da Adelaide #2: tipo como a gente faz no Brasil com nosso provedor de internet]. Isso permitiria que os membros da ANUEE fossem atendidos pela nova cooperativa da União Mexicana dos Trabalhadores Elétricos, que cobraria uma "taxa social", que garantiria o direito dos cidadãos ao acesso à energia. Até o momento da escrita deste texto, no entanto, o governo não somente não cumpriu suas promessas, como iniciou uma campanha para criminalizar o movimento.

Durante as semanas da ocupação, os ativistas da ANUEE organizaram marchas e aulas públicas, bem como uma atividade educacional de uma semana dedicada à história das lutas femininas no México. Apenas alguns meses antes, a ANUEE havia mobilizado um contingente de quatro mil pessoas para a Greve Geral de Mulheres, em março deste ano.

Isso é fundamental, porque são as mulheres que moldaram a trajetória radical da ANUEE.

[nota da Adelaide #3: ainda que a ANUEE tenha mais de 100 mil membros e que a ocupação tenha durado 46 dias e tenha conseguido tantos avanços, é MUITO difícil encontrar informação sobre o assunto nos jornais locais. Obviamente isso não é por acaso, né, mores].



Transformado através da luta
Em 11 de novembro de 2017, centenas de pessoas da ANUEE se reuniram para um evento sobre seu novo movimento feminista, no auditório do SME. Este edifício tem longa história de militância, com um mural colossal de José David Alfaro Siqueiros, que trabalhou no seu "Retrato da burguesia" entre 1939 e 1940, até ter sido forçado a fugir do país depois de participar de uma tentativa de assassinato a Leon Trotsky.




As mulheres são maioria nos protestos, e um número cada vez maior de classe trabalhadora e mulheres pobres assumem liderança da organização. Alejandra, uma jovem que se juntou à ANUEE em 2012, explicou que a maioria do movimento é feita por mulheres, porque são as mulheres que estão nas casas. Elas são as responsáveis ​​por cuidar dos membros da família, pela reprodução social e pelo sustento básico. O acesso à energia determina suas condições do dia-a-dia.

Para muitas delas, essa foi sua primeira experiência política, e uma que as transformou. Juanita, ativista de Hidalgo que se juntou à ANUEE há sete anos, descreveu como essa experiência mudou sua vida:

ANUEE me ajudou a me libertar do meu medo e lutar. Tenho filhos e estou lutando por eles, para lhes dar um teto, educação, comida. Não é fácil, mas sinto-me orgulhosa de pertencer à ANUEE. Minha filha agora me entende, meus filhos resistiram no início, mas agora eles entendem que temos que lutar por nossos direitos, pelo nosso futuro. Estamos lutando por aqueles que virão atrás de nós.

O movimento levou uma série de mulheres a sair de suas casas e começar a viver uma vida pública pela primeira vez, participar e organizar reuniões e marchas. Isso provocou uma remodelação da vida familiar e dos papeis de gênero dentro da família, embora não sem resistência dos membros da família. Ter que enfrentar essa oposição levou as mulheres ativistas a ver sua participação no movimento como contendo um significado existencial e político, o que ultrapassa a luta pela energia pública e acessível. Veronica, coordenadora voluntária da ANUEE, explicou como seus anos no movimento remodelaram sua percepção de si mesma:

Meu pai era um sexista, ele não me permitiu estudar ou trabalhar. Não tenho carreira, tenho dois filhos e um marido, e sou a única mulher na minha família. Eles não entendem meu compromisso, como eu me tornei um coordenadora e tenho reuniões, atividades. . . Antes disso, passava a maior parte do tempo com meus filhos, mas agora tenho que sair e meus filhos não entendem.

Eles estão começando a entender, porém, que eu tenho que me perceber como uma mulher. Quero ensinar-lhes que, se alguém tem a vontade, também tem o poder e que, se alguém começa alguma coisa, então precisa terminá-la. Quero ensiná-los como homens, pois a ideia deles é que as mulheres deveriam ficar em casa.

Em alguns casos, a falta de apoio de maridos e parceiros levou a separações. Esta é a experiência de Maria, que deixou seu parceiro por causa da oposição dele à participação dela, no movimento:

Faço parte da luta e não quero desistir. Estou lutando pelo bem-estar dos meus filhos e pelo futuro dos meus netos. Aprendi que é possível estar sozinha: não dependo de ninguém que possa me dizer para não ir a uma marcha ou a trabalhar, dependo apenas de mim mesma. Nós somos mulheres fortes, somos guerreiras, porque sabemos que haverá um preço a pagar, já que nada é fácil, mas quando ganhamos, quando marchamos juntas e cantamos "Sim, nós podemos"... Tudo isso vale a pena...

Para outras, como Miriam, outra coordenadora, assumir um papel de liderança, organizando protestos e reuniões, teve uma função terapêutica, após uma separação: "Isso me ajudou. Meus filhos me ajudam. Ensino-os a lutar e, agora, quando eu vou a uma marcha ou a uma reunião, eles me pedem para contar tudo sobre o que eu fiz e como foi".

Apesar do número de mulheres que participaram da organização, a ANUEE decidiu recentemente criar um comitê de coordenação das mulheres, que ainda não está incorporado no estatuto. Como explicou Rosario, uma veterana organizadora feminista, as mulheres enfrentaram resistência não apenas dentro de sua família, mas também na organização. Por exemplo, alguns ativistas do sexo masculino resistiram à introdução dos direitos e lutas das mulheres entre os temas do trabalho educacional, usaram insultos sexuais contra as mulheres que tiveram desentendimentos políticos com eles e ofereceram escasso apoio às mulheres que assumiam funções de liderança.

Além disso, ainda que o número de mulheres em cargos de liderança tenha aumentado nos últimos anos, ainda não reflete o número de mulheres que participam do movimento. Margarita, membra do órgão nacional de coordenação, informou que alguns ativistas do sexo masculino ignoraram sua liderança enquanto ela era responsável por uma ocupação. "Eles não aceitaram que eu tinha esse papel. Precisamos desempenhar nosso papel agressivamente, caso contrário, os homens não nos levam em conta, não nos respeitem ", disse ela. "Meu pai era muito sexista, mas isso me ensinou a resistir, para dizer que eu, como mulher, eu sou igual aos homens, eu valho o mesmo. Eu tenho um filho, e ele aprendeu a respeitar as mulheres ".

Este outono, a ANUEE organizou centenas de ocupações simbólicas de escritórios e plantas locais de energia. Isso culminou, no dia 16 de novembro, com uma marcha de 20 mil pessoas contra a privatização e exigir a implementação definitiva da taxa social, que a ANUEE ajudou a ganhar.

Mobilizações como essas são cruciais porque, embora o movimento tenha feito alguns ganhos, o projeto de modernização do governo está em andamento. Os organizadores pensam que, se realizado, deixará milhões de usuários sem acesso à energia. O governo também está tentando dividir o movimento, oferecendo milhares de empregos de "modernização" para trabalhadores do Sindicato, desempregados desde o fechamento da Light and Power.

Mas as mulheres da ANUEE não estão mostrando nenhum sinal de desânimo ou fadiga. Como disse Alejandra: "A luta nos ensinou a lutar, além das nossas exigências em relação à energia: estamos lutando por mulheres".




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