Friday, December 28, 2018

o gosto dos homens por máquinas


agora que o desemprego ao mermo tempo aprisiona
e liberta para ajeitar os livros
por cor por tema por ordem alfabética
sei lá o que nos der na telha
vamos falar do que importa

da vida desperdiçada em presentes equivocados
o gosto dos homens por máquinas
coisas que ninguém precisa
ocupa espaço precisa lavar
a vida desperdiçada de poetas constantes
escrevendo pra ninguém ler
padeiros
entregadores de jornal
motoristas
nosso amor pelos amigos
essa angústia pela fome que não sentimos
o medo da pobreza latinoamericana
sempre nos nossos calcanhares
os anos que passamos com nossos queixos
finalmente sobre a água
agora já não se sabe
aqui estamos

jornalistas
poetas
zeladores
costureiros

condomínio é um dinheiro bonito
se for passado aos funcionários
aos varredores
aos porteiros
mas às vezes os síndicos não pagam
os salários
e queixos de varredores porteiros zeladores
sentem a água bater
se respirar pelo nariz a gente
aguenta até janeiro
aí vem outro mês e só deus sabe

a pobreza latinoamericana
que é de mosca no rosto
e cheiro de terra batida
e cheiro de vaca
e cheiro de mastruz
e tudo isso junto era o cheiro de vovô
de gravatá do jaburu
do agreste
meu pernambuco acabado
jogado às traças
o chão o coração partidos

a gente nada cachorrinho e bóia
engole água se confunde se arrelia mas vai
são paulo e brasília sempre acabam
arrastando cada nordestino pro fundo
mas a gente respira pelo nariz e chega
em fevereiro
faz um frila faz um bico
troca o chuveiro da madame
troca o gás pelo álcool
e se essa porra não pegar fogo
a gente come esse cuscuz com ovo
e até manteiga tem
porque moramos em casa amarela
não estamos tão lascadas assim
só não sabemos até quando

a pobreza nordestina
a concreta e a que assombra
tem vários remetentes
elon musk é o ídolo
fudeu
bella tchau
nossos bolsos cheios de pedra
iguais aos de virginia woolf
quem botou essa merda lá?
cadê o fundo?
cadê a revolta?


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