Thursday, August 13, 2020

#defendaolivro

 

"O ministro Paulo Guedes enviou uma proposta de reforma tributária que colocou uma taxação de 12% em cima dos livros. Atualmente, os livros não possuem essa taxa, pois o objetivo disso (quando proposto por Jorge Amado) era tornar o acesso à cultura mais fácil. Infelizmente, sabemos que esse acesso já não é tão fácil assim. Se aprovado o Projeto de Lei 3887/2020, os livros irão se tornar mais caros e inacessíveis do que já são para grande parte da população. Afetando, assim, não somente os que têm apreço à leitura, mas também editoras menores sustentadas por famílias que já LUTAM por sua sobrevivência e, consequentemente, autores de livros - em especial os nacionais não famosos".

clique aqui para assinar a petição Diga Não à Tributação de Livros


trecho de maiakovski em 
"incompreensível para as massas"
poema de 1927
(a tradução é de haroldo de campos)




Monday, August 03, 2020

uma tradução de lamento borincano pro recifês e umas pitanga pra chorar



lamento sertanejo

passa doido de alegria com sua jumentinha
e vai para a cidade, vai para a cidade
leva no seu pensamento todo mundo
cheio de felicidade, de felicidade
pensa em melhorar a situação
de sua casa, que é toda sua alegria, sim

e alegre o matutinho vai pensado assim
dizendo assim, cantando assim pelo caminho:
"se eu vendo essa carga meu deus querido
um traje para a mulher eu vou comprar!"
e alegre vai sua burrinha também
sentindo seu cantar
que é todo um hino de alegria

e nisso vem o nascer do dia
ao chegar na feira da cidade
passa a manhã  inteira sem que ninguém queira
sua carga comprar, sua carga comprar
tudo está deserto e o povo está passando
necessidade, necessidade
os lamentos se ouvem em toda parte
em caruaru, infeliz cidade

e triste o matutinho vai pensando assim
dizendo assim, chorando assim pelo caminho
"que será de caruaru meu deus querido
que será dos meus filhos e do meu lar"
caruaru a capital do forró
a que, ao cantar, o grande gonzaga
chamou de país 
e agora que sofre com tantos pesares
deixa eu cantá-los também


 


 por anos era impossível ouvir lamento borincano sem cair nos prantos. a partir do momento que pude entender a letra (com aquela versão de caetano veloso), ela sempre me lembrou vovô, a parte da biografia dele que não vivi, porque foi antes deu nascer. imaginar vovô perambulando pelo agreste de pernambuco tentando vender, como ambulante, os frutos de seu trabalho, era imagem e passado demais pra mim, que só o conheci como agricultor aposentado pelo funrural.

com o tempo minha relação com a letra, assim como com a ausência de vovô, morto em 2003, foi ficando menos dolorosa, porque à medida que eu me politizava mais agência eu via na existência dele (sofrida pela falta de recursos, mas plena na consciência de classe que ele tinha).

hoje eu consigo escutar lamento borincano como o retrato da realidade dos trabalhadores rurais e/ou autônomos da américa latina e das periferias do capitalismo que ela é. não tenho fetiche pela derrota e não romantizo o sofrimento do povo, mas acho que essa letra, assim como a de pearls de sade, e asa branca, de luiz gonzaga, nos ajudam a lembrar que existe um mundo cheio de gente sofrendo por questões que atravessam, em maior ou menor escala, todes nós trabalhadores.

eu fiz essa tradução sem muito rigor métrico, apenas pensando em vovô e nessas músicas latinas, que são icônicas pra classe trabalhadora e pros emigrados internos. e escrevo esse post ciente de que essas que cito, lamento borincano e asa branca, são apenas duas de milhares, porque se tem uma coisa que ninguém sabe fazer melhor do que a américa latina é música popular. 

fiz essa tradução num domingo de noite morrendo de saudade de pernambuco, de vovô, de vovó, do nordeste, preocupada com o agreste de pernambuco que tanto tem sofrido com o corona, preocupada com a paraíba, enfim, preocupada.

*

a versão original, do portorriquenho Rafael Hernández Marín, reflete a situação econômica dos trabalhadores rurais pobres de porto rico do anos 20, cujo sofrimento culmina com a depressão de 1929 (a música foi gravada no mesmo ano). o que traduzi como "matutinho" é, no original, "jibarito" - jíbaro é relativo a um povo ameríndio da zona oriental do equador ou o nome que se refere aos camponeses que habitam as regiões montanhosas da ilha de porto rico/Borinquen. a canção não usa o nome moderno porto rico, mas sim seu nome pré-colombiano, Boriquen (daí o título). eu tomei a liberdade de traduzir Borinquen para Caruaru porque traduzi a letra pensando em vovô. no original, Hernandez Marín cita ainda o poeta portorriquenho José Gautier Benitez ("el gran gautier"), que traduzi como luiz gonzaga que é, por sua vez, o compositor de asa branca, um poema sobre migração interna:






asa branca
luiz gonzaga

Quando olhei a terra ardendo
Qual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Quando olhei a terra ardendo
Qual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de plantação
Por falta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Entonce eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Entonce eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe, muitas légua
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortar ai pro meu sertão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortar ai pro meu sertão
Quando o verde dos teus olhos
Se espalhar na plantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração

*

para alegrar nossos corações, recomendo ouvir esse podcast com a história de maria, que conseguiu se livrar de são paulo e voltou pro seu sertão. agradeço demais à amiga raquel por ter enviado essa lindeza. e queria dedicar esse post também à amiga jéssica, que vai saber do que tô falando.


Wednesday, July 15, 2020

os camponeses, a luta pela terra e a origem da palavra vilão


1. a etimologia da palavra "vilão"

"A palavra 'vilão' refere-se ao habitante de uma vila. Poderá ter origem na palavra latina villanus, referindo-se a alguém ligado a uma villa - uma grande quinta ou plantação agrícola, no Império Romano - significando, portanto, um camponês. Na Idade Média, o termo passou a equivaler a um não-nobre. Significando alguém não nobre, o termo 'vilão' passou, modernamente, a ser usado para se referir a alguém que pratica atos não-nobres ou indignos, como o roubo, o homicídio ou a violação. Os camponeses medievais eram os maiores alvos" (grifos meus)


2. pôster antigo do CNT


e essas corrente aí se partido,
uma alusão muito maravilhosa às últimas linhas
do manifesto comunista
("as trabalhadora nada têm a perder além das algema")


3. uma 3x4 de seu Luiz Ferreira, militante do MST assassinado por um dono de terra, enquanto protestava pacificamente por água potável. 



4. pastores perto da fronteira da turquia com o norte da síria, que encontrei nas minhas andanças no google street view (podia ser ali por toritama, né, é tão parecido, fico tão emocionada com o mundo).


Kilis


Toritama





eu junto essas descobertas numa panela e o resultado que me vem à mente é: como é importante disputar os significados. silvia federeci fez recentemente uma contribuição muito maravilhosa nesse aspecto, quando desvendou pra gente a etimologia da palavra "fofoca". e teve toda a disputa que fizemos nas redes sociais recentemente em torno do termo "antifa". vilão, fofoca e antifa são apenas três exemplos disso. linguagem é poder. tem vários videos de rita von hunty, todos maravilhosos como ela, sobre isso também. 

outra coisa que penso, mas essa é mais tabacuda: a melhor coisa de escrever um livro é a pesquisa. aliás, essa talvez seja a única coisa boa haha.





Sunday, June 28, 2020




16 de agosto de 2019

Wednesday, June 24, 2020





all yours
babooshka babooshka babooshka 
ya ya

Friday, June 19, 2020






And while I'm in this body 
I want somebody to want 
And I want what I want 
And I want 

You 
To love me

Saturday, April 11, 2020

mais nordeste, por favor! (e uma lista de movimentos e iniciativas que você pode ajudar em tempos de corona)




MAIS NORDESTE, POR FAVOR! #3 especial covidseusamigosprumalive é um zine que reúne textos lidos por 15 poetas nordestinxs, em leituras transmitidas ao vivo no meu instagram em março de 2020. de uma dessas leituras participou ainda a maravilhosa tassyla queiroga (sousa, paraíba, 1987), lendo um poema da também maravilhosa adrienne rich, que não publicamos aqui porque a adrienne não nasceu e nunca morou no nordeste (infelizmente!). o desejo da nossa live foi chamar a atenção pra campanha de arrecadação do MTST (movimento do trabalhadores sem-teto): vaka.me/947032 e o desejo da zine é, além de espalhar a palavra do nordeste antifa, chamar a atenção pra outras iniciativas solidárias, rolando em pernambuco e no brasil (links no fim desse post).





ELENCO MARAVILHOSO (por ordem escalafobética):
antônio lacarne (fortaleza, ceará, 1983)
bell puã (recife, pernambuco, 1983)
cândido rolim (várzea alegre, ceará, 1967)
érica zíngano (fortaleza, ceará, 1980)
kátia borges (salvador, bahia, 1968)
lucy rivka (vive em fortaleza, ceará, nasceu em curitiba em 1986)
mailson furtado (cariré, ceará, 1991)
mika andrade (quixeramobim, ceará, 1990)
nina rizzi (vive em fortaleza, ceará, nasceu em campinas em 1983)
pedro bomba (aracaju, sergipe, 1989)
priscilla campos (recife, pernambuco, 1990)
raísa christina (quixadá, ceará, 1987)
           selecionou poema de leandro durazzo (que mora no rio grande do norte) 
regina azevedo (natal, rio grande do norte, 2000)
sara síntique (iguatu, ceará, anos 90)
           selecionou poema de bárbara costa ribeiro (nascida em macapá, em 1994, vive em fortaleza)
vitória régia (fortaleza, ceará, 1991)

e uma participação especial do grupo de hip-hop maranhense clã nordestino!





UMAS INICIATIVA MASSA QUE VOCÊ PODE AJUDAR
Mãos solidárias é a ação do MST-PE, em parceria com a Frente Brasil Popular de Pernambuco. A acao vem distribuindo refeições, kits de higiene e oferecendo banhos a grupos em situação de vulnerabilidade no Recife. Bora ajudar? 
Associação da Juventude Camponesa Nordestina - Terra Livre
Banco do Brasil
AG: 0697-1 (Recife)
CC: 58892-X
CNPJ: 09.423.270/0001-80


o MTST vem distribuindo cestas básicas e material de desinfecção em várias cidades do país. Até o começo de abril, o movimento já tinha fornecido 19 toneladas de alimentos e mais de 200 litros de álquingel, totalizando mais de seis mil pessoas beneficiadas! Pia: vaka.me/947032

a Articulação Recife de Luta ajudou, até agora, mais de 400 famílias, em oito comunidades de Recife. Se liga: vaka.me/956633

o Hospital Oswaldo Cruz, referência em Covid-19 em Pernambuco, também está precisando de seu apoio, com doações em dinheiro ou mantimentos! Saiba mais em @comvidahuoc

a campanha #cadaimpressaoconta, da Comunidade Maker de Pernambuco, vem arrecadando doações pra produção e distribuição de EPIs por todo o estado. Saiba mais: apoia.se/cadaimpressaoconta

o Mutirão do Bem Viver é a campanha da Sociedade do Bem Viver, em resposta à pandemia, para a criação de hortas e cozinhas comunitárias em todo país, além de fazer doações de cestas de alimentos agroecológicos. Cola lá: vaka.me/962531

a Livroteca Brincante do Pina, em Recife, abriu campanha de arrecadação de distribuição de alimentos, água e sabão na comunidade do Bode. Se liga: livrotecabrincantedopina.siteo.one


#sepuderfiquincasa
#bolsonaroarrombado
#nembolsonaronemmilitares
#vivamadonna (sempre)



Thursday, March 12, 2020

a única corona que interessa


uma tradução esbaforida que fiz em 2016 de corona, poema-tão-lindo que celan escreveu para ingeborg bachmann, publicado em seu primeiro livro, "mohn und gedächtnis", de 1952.




Corona

O outono devora suas folhas em minhas mãos: somos namorados.
Descascamos o tempo de dentro das nozes e o ensinamos a partir:
O tempo volta pra casca.

No espelho é domingo,
no sonho se dorme,
a boca diz a verdade.

Meu olhar desce pro sexo da amante:
Nos olhamos,
dizemos coisas sombrias,
nos amamos como papoula e memória,
dormimos como vinho nas conchas,
como o brilho sanguíneo da lua no mar.

De pé abraçados à janela, o povo na rua nos vê:
é tempo que saibam!
É tempo da pedra se preparar para florescer,
que a inquietação faça bater um coração.
É tempo de ser tempo.

É tempo.



Corona

Aus der Hand frißt der Herbst mir sein Blatt: wir sind Freunde.
Wir schälen die Zeit aus den Nüssen und lehren sie gehn:
die Zeit kehrt zurück in die Schale.

Im Spiegel ist Sonntag,
im Traum wird geschlafen,
der Mund redet wahr.

Mein Aug steigt hinab zum Geschlecht der Geliebten:
wir sehen uns an,
wir sagen uns Dunkles,
wir lieben einander wie Mohn und Gedächtnis,
wir schlafen wie Wein in den Muscheln,
wie das Meer im Blutstrahl des Mondes.

Wir stehen umschlungen im Fenster, sie sehen uns zu von der
                                                                Straße:
es ist Zeit, daß man weiß!
Es ist Zeit, daß der Stein sich zu blühen bequemt,
daß der Unrast ein Herz schlägt.
Es ist Zeit, daß es Zeit wird.

Es ist Zeit.