Sunday, January 14, 2024

dia 2, marselha

Logo quando acordei, fiquei sabendo por um amiga, via zap, que o senador de cultura de Berlim, o conservador Joe Chialo (do CDU), anunciou que o financiamento públicopara artistas vai depender de um juramento de lealdade a Israel.

A notícia era de uma semana antes, mas eu não estava sabendo, todo dia uma é uma novidade ruim diferente, fico perdida. Mas agora, mais essa: Chialo declarou que, para obter financiamento público, os artistas e as instituições culturais vão ter que assinar um juramento de lealdade ao Estado de Israel, e se comprometerem a se distanciar do que ele chama de “extremismo” e de apoiar o “direito de Israel à existência”. 

Estruturalmente falando, o que a gente tá vendo é censura e um desmonte descarado da democracia burguesa (que é  uma bosta, mas é um pouco melhor que fascismo), começando pela parte que todo fascista ataca primeiro e goza fazendo: a cultura. Esse SEMPRE é o começo do fim.

Mas num âmbito mais pessoal, a medida não me afeta diretamente, já que as instituições culturais berlinenses fingem que não me veem há muitos anos. Independente de quanto eu me inscreva pra bolsas e outras oportunidades de financiamento, e de quão bom seja meu trabalho (porque meu trabalho é bom, não preciso ficar aqui com melindres de falsa modéstia), a verdade é que desde que me filiei ao único partido anticapitalista e antifascista de relevância, o Die Linke, e desde que comecei a militar nele, mas SOBRETUDO desde que comecei a organizar inquilinos na luta por moradia de maneira sistemática, as poucas portas que estavam aberta para mim, na “cena” se fecharam. Sobraram os guetos, a cena da esquerda radical, e eu aceito. Mas não posso sequer sonhar com sustento vindo da minha escrita, mais. Não na Alemanha de 2024 (e do futuro, ao que parece).

Foi com esse sentimento de apocalipsinho que eu e Renata fomos pra passeata de apoio à Palestina e contra a (terrível!) nova lei de migração francesa, que estava marcada pras 14h no centro de Marselha. Muitas, mas muitas mesmo das pessoas que vi no Ballroom na noite de sábado estavam na passeata do domingo: as bichas, as sapatas, as NB, as trans, ao lado das aposentada, das vovó com Kufiya, dos véi do Partido Comunista Francês, tudo reunido ali, lado a lado, na nossa maravilhosidade antirracista, pacifista, pró-Palestina.

Uma coisa que achei interessante foi a forma como a repressão policial se expressou: em Berlim, a polícia apenas tem descido o cacete nas passeatas (isso quando permite que elas aconteçam at all). Aqui, achei que tinha muito pouca polícia na concentração e também relativamente pouca durante o trajeto – mas foi só quando nos dispersamos que me dei conta da quantidade de força policial nos arredores do trajeto oficial da passeata, em viaturas, em motos, a pé, como cobras. Covardes.

Depois fomos comer num restaurante tunisiano que não amei, mas o prato tava bonito, e pra compensar enchi o toba de batata frita. Depois de comer, fizemos um passeio pra auxiliar a digestão (kkk) e fiquei pensando: o que se passa na cabeça de Joe Chialo, e de tantos outros políticos atuais, para imaginarem uma Berlim (e uma Alemanha) sem seus imigrantes, ou sem seus cidadãos alemães com ascendência não alemã (veja o post de ontem). Uma Europa sem seus imigrantes. Quem essa galera acha que faz a cultura do país, em 2023? Don Mee Choi, Ghayath Almadhoun, Musa Okwonga, Grada Kilomba – ou uma cosplay de Lydia Tár tocando harpa e tendo delírios neonazistas num conservatório de uma cidade alemã qualquer?


em novembro de 2018, um prédio de um bairro 
popular, Noailles, desabou, por causa da negligência
por parte da empresa dona do prédio e descaso das autoridades.
oito pessoas morreram, a maioria pessoas não-brancas.
a placa foi instalda por iniciativa dos vizinhos sobreviventes,
que não deixam as vítimas serem esquecidas.


no caminho pra manifestação

iaí?




o cumê tava lindo!

anfitriôa guiando o passeio da digestaum


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