É muito oportunismo fazer comparação com a Rússia em vez de olharem para si próprios. Nas notícias, dizem que dezenas de milhares foram as ruas em todo o país, ontem, para sinalizar para o partido neonazi que eles não são benvindos, e isso é bom, mas uma amiga que mora em Colônia me contou que, nas passeatas anti-AfD até agora, as vozes pró-Palestina têm sido vaiadas e iniciativas antirracistas tiveram menos tempo de fala nos discursos. Ora, se estamos falando de organização civil antifascista, não faria sentido dar protagonismo àqueles que mais sofrem/sofrerão com o nazifascismo? Pois é. O negócio é que a Alemanha acha que é possível enfraquecer os neonazi sem antes fazer o trabalho de autocrítica em relação ao passado colonial do país e ao racismo do presente. E ainda acham que é possível afugentar o fascismo com alianças com os (neo)liberais :/
Depois de passar todas essas raivas logo no café da manhã, saí pra bater perna. Foi meu último dia em Marselha, então fui passear de novo, antes de ir para o ateliê de Renata de tardezinha para dar expediente (infelizmente a gata não está de férias e segue no trabalho afff). No caminho encontrei um brechó que quase morro:
parede rosa, lustre rococó, um pato de porcelana: tudo pra mim
e essa garrafa âmbar e turquesa? pêquêpê!
Na Catedral de la Major, conheci a história do santo marselhês Eugene de Mazenod, cujo trabalho missionário tinha muito a ver com aquilo que a gente, na militância gringa, chama de “language justice”. Aprendemos esse termo quando fizemos uma formação com o pessoal do sindicato de inquilinos de Los Angeles, o LATU. Como LA é uma cidade bilíngue, uma parte central do seu trabalho militante é acessibilidade dos conteúdos orais e escritos. Assim como era o trabalho São Eugene, que tentava facilitar o acesso dos pobres, que só falavam provençal (o francês era falado pelas elites) aos serviços de caridade e catequese oferecidos pela igreja. Claro que aqui se trata de sobretudo de converter os pobres pro catolicismo, o trabalho dele não tinha a ver com organizar a galera pela distribuição das riquezas, apenas descomplicar o acesso à caridade. Não estou dizendo que era um padre revolucionário, não haha. Para isso, recomendo conhecer a história do padre Camilo Torres.
Por fim, subi na Basílica de Nossa Senhora da Guarda, que a galera chama de "la Bonne Mère" (a boa mãe), desde onde dá pra ver Marselha todinha. Eu amo um kitsch católico, afinal sou devota de Santa Madonna, a padroeira das leoninas kkk. A basílica é cheia de ex-votos, que eu amo demais, porque sempre dá pra descobrir um pouquinho, tanto de dramas individuais, como de tragédias coletivas, tipo a epidemias de cólera que assolou a cidade no século 19. E tem o drama do mistério também: quem será que foi essa Alexandra aí? Nunca saberei, então só me restar inventar ;)
Fui também no Vieille Charité, que foi uma “prisão-hospital” que fazia parte do aparato de repressão dos pobres no século 17 e 18. Diz o wiki: “No século 17, a repressão aos mendigos foi conduzida com grande brutalidade na França. Guardas chamados Chasse-gueux ("caçadores de mendigos") tinham a tarefa de prender os mendigos: os não-nativos eram deportados de Marselha e os nativos, enviados para a prisão. Muitas vezes a multidão ficava do lado dos mendigos durante essas prisões [grifos meus para enfatizar que o povo é maravilhoso!]”. Passei um tempo lá endoidando, tentando visualizar quem eram e como foi a vida das pessoas que eram jogadas aí: os pobres, as viúvas, as trabalhadoras sexuais, os leprosos etc.
É que um capítulo inteiro de ASMA é dedicado a questionar o sistema manicomial/carcerário, e tive que pesquisar tanto sobre a história das prisões, durante a escrita do livro, que visitar esse lugar foi como descobrir, só depois de terminada a fase de escrita, que Vashti (a personagem principal de ASMA), esteve presa aqui também. Aproveito o ensejo para mostrar o primeiro verso de um poema do capítulo 2:
galinhas
logo ao chegar, notei que me despersonalizavam (...) uma vez por dia deixávamos a gaiola – um, dois, um dois
Graciliano Ramos
umcedo abrem esta porta pra que eu saiao ferrolho muito humilde pede óleopresta há anos um serviço diligentemuito seco em liga ruim e tinta velhaazul clara como o céu e a depressãoa luz do sol me encadeia: é meio-diasuei em bicas no escuro 12 horaseu não de falo de boate sim de cela
Por fim, subi na Basílica de Nossa Senhora da Guarda, que a galera chama de "la Bonne Mère" (a boa mãe), desde onde dá pra ver Marselha todinha. Eu amo um kitsch católico, afinal sou devota de Santa Madonna, a padroeira das leoninas kkk. A basílica é cheia de ex-votos, que eu amo demais, porque sempre dá pra descobrir um pouquinho, tanto de dramas individuais, como de tragédias coletivas, tipo a epidemias de cólera que assolou a cidade no século 19. E tem o drama do mistério também: quem será que foi essa Alexandra aí? Nunca saberei, então só me restar inventar ;)
Amanhã bem cedinho sigo para a Espanha <3
(pensando em Lee Friedlander)
em navegações ou durante a epidemia de cólera
1 comment:
acompanhando tudo <3 impressionada com a beleza de santa teresa e querendo muito comer uma tortinha de limão com você! Garrafinha âmbar com turquesa, nunca te vi sempre te amei.
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