Vim para Catalunha rever meus amigos, os ex-guerrilheiros Nanda e Boni. Os dois trabalhavam em fábricas em Barcelona, nos anos 70, desde onde organizavam os trabalhadores na luta anarcossindicalista. Quando o cerco apertou, na reta final da ditadura franquista, eles entraram na clandestinidade e passaram a realizar ataques a bancos e carros-fortes, o que lhes rendeu a acusação do crime de terrorismo, e anos na prisão.
Boni foi enviado para uma cadeia comum, onde organizou os assim chamados “presos sociais”, em campanhas abolicionistas e antifascistas. Nanda foi enviada para uma prisão comandada por freiras católicas (“umas nazis”, nas palavras dela) e lá também organizou motins e greves de fome. Ao contrário de Salvador Puig, companheiro dos dois e condenado à morte por suas atividades políticas, o casal felizmente sobreviveu à ditadura mas, se estão vivos, é importante dizer, não foi graças à Lei da Anistia espanhola – foi pela própria luta antifascista.
Promulgada em 1977, a lei perdoa os crimes cometidos pelos militares durante os 36 anos de ditadura do general Francisco Franco. A ferida da execução de Salvador Puig Antich está aberta em muita gente que ainda vive, como Boni e Nanda, seus contemporâneos, seus amigos e descendentes. Conheci os dois em 2019, por acaso, quando passava pelos arredores de Amer, o pueblo perto de Girona onde eles vivem – e essa experiência, que não foi planejada, acabou sendo um giro importantíssimo na pesquisa sobre presos políticos para ASMA (que tem inclusive um poema dedicado a Salvador Puig).
Eu não os via desde 2019, e agora, ao visitá-los, as palavras terrorismo e anistia estavam na boca do povo, na Espanha, de novo, mas não por causa do legado do franquismo, e sim por causa de um político independentista catalão, Carles Puigdemont (natural de Amer e filho do padeiro), foragido da polícia espanhola, desde que encabeçou um referendo pela independência catalã, em 2017. Agora que há a possibilidade de uma anistia, juízes conservadores foram pra cima de Puigdemont para tentardesmantelar o processo, acusando-o de terrorismo.
Não nutro nenhuma simpatia por Puigdemont, mas ele certamente nao é terrorista. Além disso, lawfare é uma coisa deprimente e destrutiva onde quer que aconteça, da Espanha ao Brasil, e fez dessa uma parte meio triste da viagem. Como choveu bastante nos dias que estive com Nanda e Boni, ficamos o tempo todo em casa vendo as notícias. A sensação de estarmos andando em círculos (enquanto humanidade) foi muito opressora, como se o tempo não andasse pra frente.
O tempo que anda pra frente é o tempo de quem trabalha com o povo e com a terra, como Boni e Nanda que, ao serem soltos da prisão, trocaram Barcelona por uma vida no mato, onde cuidam da horta, da casa, e criam galinhas. No nosso último café da manhã, antes de eu pegar o trem pra Madrid, perguntei a Boni o que eles iam fazer naquele dia e ele disse: “o mínimo possível”. Perfeito.
No comments:
Post a Comment