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Saturday, July 23, 2016

douda correria em berlim


no começo do mês, nuno moura e joana bagulho, os pais da douda correria, organizaram uma série de leituras em berlim com ricardo, érica, sean, o próprio nuno e esta vaca profana que vos escreve. posto aqui alguma documentação das leituras, foi tudo lindo.




foto de ricardo da leitura de érica,
que convidou luísa nóbrega e lotte 
para lerem com ela


ricardo na segunda noite
 lendo o belíssimo carta a antínoo

Carta a Antínoo

Que me importam o império as vilas
as efígies nas moedas se o teu cheiro
ocupa ainda cada canto angular
da arquitetura
mas teu pescoço teus pés teu tórax
já não os habitam
e as águas do Nilo não permitem
que este teu cheiro
agora se evada se exale e me excite ou exalte
uns dizem suspeitar que eu ordenei tua morte
outros que tua influência se tornara indesejável
nunca houve lugar para Eros
entre as intrigas de corte
eu já não me lembro tua morte talvez
a tenha ordenado quiçá tenha sido
castigado por meus inimigos
os mais cruéis sugerem que o ato
fora uma fuga tua dos meus cafunés
das minhas mãos geriátricas
não sei não sei tua lembrança
ocupa o espaço de todo o resto
que eu poderia agora memorizar
ordens execuções missões diplomáticas
a fundação de cidades já não me alegra
se tu já não serás um dos cidadãos
as revoltas de bárbaros tão-só
me entediam
se tu não me acompanhas nas campanhas
divinizar-te é consequência lógica
doravante estarás no panteão
entre aqueles que agora
por um motivo a mais invejo
se teu exercício de natação sem volta
foi mesmo sacrifício ou autoimolação
eu me pergunto que deus te merecia
mais do que eu
dizem as boas bocas pelas ruas de Roma
que eu chorei por ti como uma mulher
como se eles pudessem distinguir o gênero
das águas salinizadas
Pancrates de Alexandria comparara
uma flor-de-lótus a ti e não o contrário
e com isso ganhou meus favores
tu eras o parâmetro
de todos os sistemas da simetria
Antínoo ainda que eu mandasse a Bitínia
ser varrida vasculhada
jamais outro com teu pescoço
teus pés teu tórax
tu eras o príncipe das belugas
Antínoo tu foste meu antinão







livrosh da douda


eu li uns poema pornô d'o martelo
e suas traduções pro inglês 
que manuel wetscher e eu fizemos
(foto feita pela joana)





sean bonney é um poeta inglês que vive em berlim e cujo livro cartas contra o firmamento foi lançado pela douda esse ano, traduzido por miguel cardoso. a leitura de sean foi maravilhosa. dentre outros, ele leu esse poema aqui:


ACAB: A nursery rhyme

 for “I love you” say fuck the police / for
“the fires of heaven” say fuck the police, don’t say
“recruitment” don’t say “trotsky” say fuck the police 
for “alarm clock” say fuck the police
                                                       for “my morning commute” for
“electoral system” for “endless solar wind” say fuck the police
don’t say “I have lost understanding of my visions” don’t say
“that much maligned human faculty” don’t say
“suicided by society” say fuck the police / for “the movement
of the heavenly spheres” say fuck the police / for
“the moon’s bright globe” for “the fairy mab” say
fuck the police / don’t say “direct debit” don’t say “join the party”
say “you are sleeping for the boss” and then say fuck the police
don’t say “evening rush-hour” say fuck the police / don’t say
“here are the steps I’ve taken to find work” say fuck the police
don’t say “tall skinny latté” say fuck the police / for
“the earth’s gravitational pull” say fuck the police / for
“make it new” say fuck the police
                                                       all other words are buried there
all other words are spoken there / don’t say “spare change”
say fuck the police / don’t say “happy new year” say fuck the police
perhaps say “rewrite the calendar” but after that, immediately
after that say fuck the police / for “philosopher’s stone” for
“royal wedding” for “the work of transmutation” for “love
of beauty” say fuck the police / don’t say “here is my new poem”
say fuck the police 
                say no justice no peace and then say fuck the police






nuno leu na íntegra o seu letras para dance music. fiz este vídeo desastroso (desastroso não somente por estar com uma qualidade super baixa - não sei como ajeitar isso na câmera, help! - mas por terminar bruscamente, porque causa da bateria vazia) porém com amor:






(pra compensar a horrorosidade do meu vídeo,
uma foto nítida, com ricardo domeneck
roendo as unhas)






ps: o martelo está à venda em lisboa nas livrarias pó dos livrosletra livre, sr. teste e na fnac. para quem estiver no brasil e quiser comprar, dá pra encomendar por pay-pal. é só mandar email pra editora (miasoave@sapo.pt).

Wednesday, July 20, 2016

ricardo lendo hilda machado na sua sala e três fotos desse dia





(com intervenção especial de érica zíngano)


Miscasting

“So you think salvation lies in pretending?”
Paul Bowles


estou entregando o cargo
onde é que assino
retorno outros pertences
um pavilhão em ruínas
o glorioso crepúsculo na praia
e a personagem de mulher
mais Julieta que Justine
adeus ardor
adeus afrontas
estou entregando o cargo
onde é que assino

há 77 dias deixei na portaria
o remo de cativo nas galés de Argélia
uma garrafa de vodka vazia
cinco meses de luxúria
despido o luto
na esquina
um ovo
feliz ano novo
bem vindo outro
como é que abre esse champanhe
como se ri

mas o cavaleiro de espadas voltou a galope
armou a sua armadilha
cisco no olho da caolha
a sua vitória de Pirro
cidades fortificadas
mil torres
escaladas por memórias inimigas
eu, a amada
eu, a sábia
eu, a traída

agora finalmente estou renunciando ao pacto
rasgo o contrato
devolvo a fita
me vendeu gato por lebre
paródia por filme francês
a atriz coadjuvante é uma canastra
a cena da queda é o mesmo castelo de cartas
o herói chega dizendo ter perdido a chave
a barba de mais de três dias

vim devolver o homem
assino onde
o peito desse cavaleiro não é de aço
sua armadura é um galão de tinta inútil
similar paraguaio
fraco abusado
soufflé falhado e palavra fútil

seu peito de cavalheiro
é porta sem campainha
telefone que não responde
só tropeça em velhos recados
positivo
câmbio
não adianta insistir
onde não há ninguém em casa

os joelhos ainda esfolados
lambendo os dedos
procuro por compressas frias
oh céu brilhante do exílio
que terra
que tribo
produziu o teatrinho Troll colado à minha boca
onde é que fica essa tomada
onde desliga


ewout













Monday, June 13, 2016

ricardo #2


20.
Na rua, empertigo-me todo,
alinho omoplatas e ombros,
os cabelos bem penteados,
as roupas novas e limpas,
pois, de cada janela 
de bonde ou ônibus,
talvez seus olhos

ricardo domeneck em "cigarros na cama"







2003

2011


















Carta ao pai

Agora que o senhor
mais assemelha pedaço
de carne com dois olhos
dirigidos ao teto escuro
no leito em que provável
só não há-de morrer só
porque nem a própria
saliva poderá engolir
por si na companhia
somente desta sonda
que o alimenta
me pergunto se ainda
em validade a proibição
da mãe em confessar
ao senhor os hábitos
amorosos das mucosas
que são minhas
e se deveras me amaria
tanto menos soubesse
quanta fricção já tiveram
que não lhes cabia
biológica ou religiosa
-mente e se também
pediria para sua filhoa
a morte que desejou
a tantos de minha laia
quando surgiam na tela
da Globo da Record
da Manchete do SBT
que sempre constituíram
seu cordão umbilical
com a tradição
e se deveras faria
sobrevir sobre eles
grande destruição
pela violência
com que urrava
seus xingamentos
típicos de macho
nascido no interior
desse país de machos
interiores e quebrados
em seus orgulhos falhos
de crer que o pai
é o que abarrota
geladeiras e não deixa
que falte à mesa
o alimento que nutre
as mesmas mucosas
em que corre
o seu sangue
mas não seu Deus
e ora neste leito partido
o cérebro em veias
como riachos insistentes
em correr
fora das margens
se o senhor
soubesse o dolo
com que manchei
a mesa
de todos os patriarcas
ainda pergunto-me
se me receberia
com a mansidão
que aceita na testa
o beijo desta sua filhoa
que nada mais é
que a sua imagem
e semelhança invertidas
tal espelho
que refletisse opostos
de gênero e religião
ou o desenho
animado na infância
de uma Sala de Justiça
onde numa tela
podia-se observar
um mundo ao avesso
e se o Pai e o pai
odeiam deveras
o gerado nas normas
da Biologia e Religião
mais tarde porém geridos
na transgressão das leis
que o Pai e o pai
impõem-nos na ciência
de sermos todos falhos
nessa Terra onde procriar
é tão frequente
que gere prazer
nenhum e olho
o senhor
com essas pupilas
que talvez jamais
reflitam o Pai
mas ora veem o pai
eu
mesmo pedaço
de carne
com dois olhos
peço perdão
em silêncio
pois sequer posso
dizer que não
mais há tempo
e mesmo assim
e porém
e no entanto
e contudo
pelo medo adversativo
de talvez abalar
uma sistema rudimentar
de alicerces
sob a casa
sob o quarto
sob esta cama
de hospital
emprestada
escolho
uma vez mais
o silêncio




diante dos ataques de ontem em orlando, essa semana esse blog vai ser gay (como se já não fosse). 

#loveislove

Friday, June 03, 2016

para dora




01 de junho de 2016 marcou o 40º aniversário da morte de maria auxiliadora lara barcelos, guerrilheira da VAR-palmares, que foi presa, torturada e abusada sexualmente pelo regime militar. dora se exilou no chile, na bélgica e na berlim ocidental, onde se suicidou, jogando-se na frente de um trem na estação de charlottenburg, em 1976, aos 31 anos.

neste dia, em sua homenagem, ricardo domeneck, érica zíngano, rafael mantovani, bia krieger e eu nos encontramos na estação de chalottenburg, para um pequeno ritual, onde poemas de hilda hilst, wislawa szymborska, ingeborg bachmann, anne sexton e torquato neto foram lidos.








WANTING TO DIE
anne sexton

Since you ask, most days I cannot remember.
I walk in my clothing, unmarked by that voyage.
Then the almost unnameable lust returns.

Even then I have nothing against life. 
I know well the grass blades you mention,
the furniture you have placed under the sun.

But suicides have a special language.
Like carpenters they want to know which tools.
They never ask why build.

Twice I have so simply declared myself,
have possessed the enemy, eaten the enemy,
have taken on his craft, his magic.

In this way, heavy and thoughtful,
warmer than oil or water,
I have rested, drooling at the mouth-hole.

I did not think of my body at needle point.
Even the cornea and the leftover urine were gone.
Suicides have already betrayed the body.

Still-born, they don’t always die,
but dazzled, they can’t forget a drug so sweet
that even children would look on and smile.

To thrust all that life under your tongue!--
that, all by itself, becomes a passion.
Death’s a sad Bone; bruised, you’d say,

and yet she waits for me, year after year,
to so delicately undo an old wound,
to empty my breath from its bad prison.

Balanced there, suicides sometimes meet,
raging at the fruit, a pumped-up moon,
leaving the bread they mistook for a kiss,

leaving the page of the book carelessly open,
something unsaid, the phone off the hook
and the love, whatever it was, an infection.





érica lendo hilda (esqueci de fazer video, péssima)

DA MORTE. ODES MÍNIMAS (XXII)
hilda hilst

Não me procures ali
Onde os vivos visitam
Os chamados mortos.
Procura-me
Dentro das grandes águas
Nas praças
Num fogo coração
Entre cavalos, cães,
Nos arrozais, no arroio
Ou junto aos pássaros
Ou espelhada
Num outro alguém,
Subindo um duro caminho

Pedra, semente, sal
Passos da vida. Procura-me ali.
Viva.



MARGINÁLIA II
torquato neto

Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu pecado
Meu sonho desesperado
Meu bem guardado segredo
Minha aflição

Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu degredo
Pão seco de cada dia
Tropical melancolia
Negra solidão

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

Aqui, o Terceiro Mundo
Pede a bênção e vai dormir
Entre cascatas, palmeiras
Araçás e bananeiras
Ao canto da juriti

Aqui, meu pânico e glória
Aqui, meu laço e cadeia
Conheço bem minha história
Começa na lua cheia
E termina antes do fim

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

Minha terra tem palmeiras
Onde sopra o vento forte
Da fome, do medo e muito
Principalmente da morte
Olelê, lalá

A bomba explode lá fora
E agora, o que vou temer?
Oh, yes, nós temos banana
Até pra dar e vender
Olelê, lalá

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo



ricardo lendo "exil", de ingeborg bachmann






O QUARTO DO SUICIDA
wislawa szymborska

Vocês devem achar que o quarto estava vazio.
Pois havia ali três cadeiras de encosto firme.
Uma boa lâmpada contra a escuridão.
Uma mesinha, e sobre a mesinha uma carteira, jornais.
Um Buda alegre, um Jesus aflito.
Sete elefantes para dar sorte, e na gaveta um caderninho.
Você acha que nele não estavam nossos endereços?

Acham que faltavam livros, quadros ou discos?
Pois lá estava o trompete consolador nas mãos negras.
Saskia com uma flor cordial. 
Alegria, centelha divina.
Na estante Ulisses num sono reparador
depois dos esforços do Canto Cinco.
Os moralistas,
seus nomes inscritos em letras douradas
nas lindas lombadas de couro.
Ao lado, também os políticos perfilados.

Não parecia que o quarto fosse
sem saída, pelo menos pela porta
nem sem vista, pelo menos pela janela.
Os óculos para longe largados no parapeito.
Uma mosca zunindo, ou seja, ainda viva.
Devem achar que ao menos a carta explicasse algo.
E se eu lhes disser que não havia carta –
éramos tantos os amigos e coubemos todos
no envelope vazio apoiado no lado do corpo.

(tradução de regina przybycien)




(as fotos que aparecem neste post são ©ivánova, ©mantovani, ©zíngano)