Sunday, November 20, 2016
Wednesday, November 16, 2016
um poema de horácio costa, um quadro de leonilson, as coisas escorregadias da linguagem, dizeres de toni morrison e um post de júlia hansen
dados novos na paisagem
um veado gordo que quer ser fotografado
usando calcinhas de mulher bem apertadinhas
para um site gay onde ele pode postar o que bem entender
e haverá quem o encontre sexy e queira sair com ele
e uma paciente trans no melhor hospital brasileiro
talvez se recuperando de uma cirurgia de mudança de sexo
caminhando com a mãe e a tia no saguão até o caixa
para pagar o estacionamento bem na minha frente
são dados novos na paisagem e as nuvens
que se acumularam e cruzam o céu agora
não têm memória de que choveram ontem mesmo
a esta hora justo em cima da Grande São Paulo
as orquídeas que se abrem no grande vaso vitrificado
e exalam um perfume para lá de sensual não recordam se
na sua última floração resultaram tão inebriantes
ou se viraram conversation pieces como essas
do Hospital Einstein: as senhoras às três da tarde
já esgotaram todos os assuntos no saguão mas
ninguém que falasse da bicha trans que calçava
número 45 e tinha peitos fartos como Sofia Loren:
preferiram o tema das orquídeas nesta época do ano
e que perfume! não dá para crer! porque, sim,
há algo de novo na paisagem e as senhoras, ah,
têm andado mais cuidadosas com o que dizem.
(horácio costa em "a hora e a vez de candy darling": goiânia, martelo editorial, 2016).
"mulheres ciganos comunistas homossexuais
negros aidéticos judeus aleijados"
leonilson,
1990,
lápis de cor sobre papel
o poema genial de horácio costa, que à primeira vista analisa a capacidade de articular uma linguagem para o desconhecido, trata de visibilidade vs. invisibilidade; e na verdade acaba falando muito mais dos cegos do que dos supostos "invisíveis". aliás, eu ODEIO esse termo, que transfere pra alguém em eventual situação de vulnerabilidade a responsabilidade pela nossa incapacidade de vê-lx, de ver o mundo, de ver o outro.
o quadro de leonilson, também genial, mostra copinhos vazios que ganham os nomes de grupo marginalizados pela sociedade patriarcal. esse trabalho me deixa engasgada toda vez que o vejo.
no poema aparece o termo "mudança de sexo" quando o termo aceito atualmente é "cirurgia de redesignação de sexo" ou " cirurgia de adaptação de gênero".
no quadro de leonilson aparecem palavras hoje em dia impensáveis de ser usadas: ciganos (atualmente o certo é roma, sinti, calon ou ainda povos nômades, mas tem gente que não curte esse último), aidéticos (atualmente o certo é HIV positivo) e aleijado (atualmente pessoas portadoras de deficiência).
poderíamos rapidamente cair na armadilha de criticar esses trabalhos pelo uso desatualizado de sua linguagem. mas mesmo pra mim, que sou fiscal pussy riot em nome de uma linguagem empática (dos outros mas da minha acima de tudo), é importante considerar não somente a fenda temporal (o poema foi escrito em 2013, provavelmente antes da readaptação do termo "mudança de sexo" e o quadro foi feito em 1990, milênios antes de pessoas foda nas redes sociais começarem a nos fazer entender que ser politicamente correto é correto) mas principalmente QUEM está dizendo as coisas. e tanto horácio quanto leonilson podem, pela sua produção e compromisso com a homocultura, falar de uma certa forma que não seria permitida a uma pessoa cis e heterossexual.
anyways, o bonito (eu acho) é sempre cuidar das palavras, pensando no outro, mesmo que esse outro não seja talvez um interlocutor direto. as palavras vão pro mundo que nem os anjos, tem isso na torah e eu não sou judia mas acho massa.
nessa aula (é longa mas vale CADA FUCKING MINUTO) toni morrison (também conhecida como deus) fala sobre isso. que usar uma linguagem respeitosa, considerate, não retira potência do texto. ela fala que podia usar essa ou aquela palavra que, à primeira vista, causam impacto, mas que ela também pode do better than that:
deus falando
mas mais do que isso, hoje li esse post da minha querida júlia de carvalho hansen, que espero que me contamine pelos próximos anos:
ontem, depois de assistir a poderosa defesa de doutorado de uma amiga, onde 4 mulheres eram as professoras arguidoras e uma das discussões foi o direito à opacidade da linguagem, peguei carona com outra professora que eu não via há milênios e fomos no caminho concordando que o nosso desejo pra 2017 é que as pessoas do planeta ensinem aos seus filhos que eles podem sentir mais coisas, que é emocionalmente possível ter mais reações do que ficarem bravos, cheios de raiva ou inflexíveis em seus desejos de terem razão. a razão, ah a razão, como às vezes é tão indelicado ter razão.
Sunday, November 13, 2016
uma tradução-recibo de um poema de ana martins marques para a língua do ex
fiz essa tradução como se fosse uma conversa no messenger, um recibo da porra passado na madrugada, enfim, como costumam ser com os recibos: enviados sem pensar e sem revisar (haha).
assim, deixei cheio dos erros de sintaxe, costumeiros do meu alemão, que ele dizia que eram um charme (afinal esse recibo é pra ele). tirei também todas as letras maiúsculas dos substantivos (como deveriam ser, em alemôo), engoli letras como na pronúncia da linguagem falada ("habe" vira "hab", "gerade" vira "grad" e assim por diante).
o original não tem nada dessa baixaria, mas como estou me divorciando, tomei a liberdade. peço desculpa a ana de antemão, mas sei que se tem alguém que vai entender, é ela.
umfall
ich hab diesen gedicht am letzten tag geschrieben
ich hab diesen gedicht am letzten tag geschrieben
und danach haben wir uns nicht mehr gesehen
am anfang haben wir telefoniert
du klangst als ob du die bahn verpassen würdest
und ich, als ob ich die bahn grad verpassen hätte
ich hab diesen gedicht nach dem ersten telefonat geschrieben
du hast über visa und behörde gesprochen
und über wie man, um ein dokument zu bekommen, ein anderes [braucht
das man nur bekommt, wenn man doch das erste hat
ich hab gesprochen, über die verlorene nächte in der gesellschaft einer [person
die nicht du war
dann langsam hast du mit dem anrufen aufgehört
ich hab diesen gedicht am zweiten sonntag geschrieben
in dem du schon wieder nicht angerufen hast
um das gedicht, wie um einem umfall,
viele leute haben sich gesammelt
um zu sehen, was war's
(e o original, perfeito, em "o livro das semelhanças", companhia das letras, 2015):
Acidente
Escrevi este poema no último dia
depois disso não nos vimos mais
a princípio trocamos telefonemas
em que você sempre parecia prestes a perder o trem
enquanto eu sempre parecia ter acabado de perdê-lo
escrevi este poema depois do primeiro telefonema
você falava sobre vistos e repartições
e sobre como para conseguir um documento é sempre necessário um [outro
que no entanto só se pode obter de posse daquele
eu falava sobre as noites perdidas na companhia de alguém
que não era você
depois aos poucos você deixou de ligar
escrevi este poema no segundo domingo
em que você de novo não telefonou
ao redor do poema como em volta de um acidente
juntou-se muita gente
para ver o que era
uma tradução de white nights, de paul auster, sábado à noite em são paulo, na rede de gutierrez morrendo de dor nas ancas com chinkungunya, as pessoas devem estar na esbórnia e eu queria estar com elas me esfregando no mundo me pendurando nas barra do metrô e no entanto estou apenas traduzindo e com inveja
Noites brancas
Ninguém aqui,
e o corpo
diz: qualquer coisa dita
não é pra ser. Mas ninguém
é também um corpo,
e o que o corpo diz
ninguém ouve
exceto você.
Neve
e noite. A repetição
de um assassinato
entre as árvores. A caneta
se move
pela terra: ela não sabe mais
o que vai acontecer, e a mão que
a segura
sumiu.
Ainda assim, ela escreve.
Escreve:
no começo,
entre as árvores, um corpo veio andando
vindo da noite. Ela
escreve:
a brancura do corpo
tem a cor da terra. É a terra,
e a terra escreve: tudo
tem a cor do silêncio.
Eu não estou
mais aqui. Eu nunca disse
o que você disse
que eu disse. E ainda assim, o corpo
é um lugar
onde nada morre. E toda noite,
vinda do silêncio das
árvores, você sabe
que minha voz
vai andando até você.
(de paul auster em "wall writing", 1976)
Tuesday, November 08, 2016
uma releitura de joni mitchell pro suplemento pernambuco
para celebrar o 73-gésimo aniversário de joni mitchell,
o suplemento pernambuco publicou minha releitura
do poema "song for sharon", que transformei numa carta
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