Thursday, September 28, 2017

diz-me o nome da seita, angélica freitas


quando estava escrevendo o texto sobre angélica freitas para o suplemento pernambuco, pedi pra 25 poetas brasileiras me mandarem textinhos curtos, de até 5 linhas (claro que elas não conseguiram - mas a culpa é de angélica haha) sobre a relação delas com "um útero é do tamanho de um punho". nem todas conseguiram ou puderam enviar algo e, das 17 que toparam, não deu pra publicar todas, por falta de espaço mesmo :/

então publico aqui, na íntegra, os depoimentos dazamigas fazendo essa public display of affection pra angélica.

o artigo está na edição de setembro de 2017 do suplemento pe.



ANA MARTINS MARQUES (MG)

Em Um útero é do tamanho de um punho, Angélica Freitas adota o caminho arriscado de incorporar (e desviar) o clichê, a frase feita, o lugar comum (que ela capta tanto nas canções populares quanto por meio do dispositivo de busca do google). A desmontagem dos estereótipos se dá na linguagem, em poemas em geral curtos e cortantes, que incorporam a sátira, o jogo, o nonsense, embaralham referências literárias e da cultura de massas, demonstrando que dimensão política e trabalho de linguagem não são necessariamente antagônicos, que o humor não afasta a reflexão, o cômico não impede o desvelamento da violência, a aparente leveza e simplicidade podem conviver com a tensão e a complexidade.

São poemas políticos, sem dúvida, mas não é fácil reduzi-los a um slogan ou retirar deles algum discurso claro e inequívoco: assim como a boia mencionada em um dos textos, que não se explica, se usa, nesses poemas interessa menos um discurso que os antecederia e explicaria do que os procedimentos que acionam, os efeitos que são capazes de produzir, as forças que podem pôr em movimento. E também, talvez sobretudo, o prazer da leitura e a surpresa e a alegria da linguagem que eles são capazes de proporcionar.

Um amigo livreiro certa vez me contou que Um útero era o livro mais roubado na livraria. A informação me agradou (como curiosamente agradava também o livreiro), mas não me surpreendeu: quem rouba livros, imagino, são sobretudo jovens estudantes, meninas e meninos com pouco dinheiro, muito desejo de conhecer e pouco gosto por solenidades. É compreensível que Um útero se torne para eles um objeto de desejo. Talvez o que mais impressione na poesia da Angélica seja essa capacidade de falar ao mesmo tempo a jovens recém-chegados à praia da poesia e a poetas e leitores experientes, que encontram na sua poesia forças novas, uma lufada de ar.


CECILIA FLORESTA (SP)

“diz-me com quem te deitas/ angélica freitas”, amélias, rosângelas, robertas, solanges, denises, cristinas, carolinas, cecílias.

um útero caiu nas minhas mãos faz uns anos já, não por acaso. foi o primeiro livro que me fez pensar numa literatura nacional fancha e eu me lembro de ler cada um dos poemas incansavelmente (ainda hoje o faço) porque ali encontrei contrários, que Angélica jamais deixa espaço pro não-dito, essa instância tão presente na literatura feita por mulheres para mulheres. a força lesbiana dos poemas da Freitas me ajudou a dar voz aos meus próprios e me apontou o caminho pra estrada que hoje traço: visibilizar a literatura lésbica brasileira.


ERICA ZINGANO (CE)

A Adelaide me pediu pra escrever algumas linhas sobre o livro da Angélica. O que o livro causou em mim. Mas eu vou escrever um pouco mais, não tenho mais facebook, perco muitas vezes a linha. Mas eu vou falar meio por cima, ok? Um esmalte que cobre a unha cobre a unha sempre por cima. 5 a 8 linhas? Por cima. Começa aqui (mentira), Começa assim (mentira). O livro dela foi lançado em 2012. Eu comprei em 2012. Em Lisboa. Naquela livraria da Cotovia eu acho. Ou alguém mandou do Brasil pra mim? Não consigo me lembrar. Se você está lendo e você me deu esse livro de presente me desculpe. Ou você foi um atravessador? Não me lembro. Eu li em Lisboa. Porque eu morava em Lisboa. Faz mais de 5 anos. Em Lisboa, isso é um clichê, mas é verdade: é minha Senhôra, é Rapariga. É bicha, é fila. É um clichê sobre as nossas diferenças, mas para eles é normal. Também tenho um outro livro que fala de mulher logo assim, de cara. Aliás, muitos livros não param de falar de mulher. E têm outros que não falam de mulher de jeito nenhum, mas a mulher está lá. Mas daí entender como é que eles tão falando de mulher ou não tão falando de mulher já é outro rolê. E que mulheres são essas? É Maria, é Madalena, são as Mulheres de Atenas? São a Marcha das Mulheres? São as Madres de Mayo? É a Medusa? É a Mil uma utilidades? É negativo, é positivo, é zona de perigo? Esse outro livro que eu tava falando é do Péter Esterházy. Chama “Uma mulher”. Também foi lançado pela Cosac. Em 2010. Na “uma mulher (6)”, lemos logo no começo: “[…] E se trata de uma mulher limpa, ou seja [apesar de ter mau hálito, a mulher 6 tem mau hálito], tudo acontece em meio a uma abundância de escovação de dentes, não raro de um excesso de pastas de dentes” (continua). Lembro do poema sereia, não sei se é uma sereia, se é o do ovo do micro-ondas, mas tem a pasta Colgate e a dentatura. Não sei se está nesse livro. Ou se foi publicado depois. Eu não vou entrar muito em detalhes, mas vou ser um pouco spoiler do final, porque o texto do Esterházy termina assim: “[…] Mas isso não é importante [o fato de ele ser louco por ela e ela, a mulher 6, não ter descoberto isso ainda], o importante é que eu [ele, o narrador personagem participativo do texto da mulher 6] possa vê-la.” É. Digamos que 50% do trabalho já foi feito. Ver/ reconhecer/ perceber/ dar-se conta já é um começo. Mas ver também já é um abismo. Tem o ponto cego, o trompe l’oeil etc. Abre um outro tipo de abismo. O que é que você vê, quando você vê? O que é que você lê quando você lê? Vamos começar de novo: “Uma mulher limpa.” Eu escrevi no final do poema dela assim, "limpinha". Uma mulher é uma mulher é pau pra toda obra. A Angélica me deu de presente a Susana Thénon. Sem ela saber. Sem ninguém saber. Os melhores presentes são os presentes surpresa.



KATIA BORGES (BA)

Olha, eu fiquei realmente muito feliz quando foi lançado Um útero é do tamanho de um punho, porque, sabe como é, eu gostava muito da Angélica Freitas bem antes. Então é como fosse se um segredo que ganha o mundo. Mas, claro, Angélica Freitas ganhou o mundo de cara com Rilke Shake, que antes de ter em mãos, lia os poemas nos blogs em que ela escrevia e tal. E, quando saiu, entrevistei Angélica em Salvador, de olho naquela estética forte. E, de certo modo, aquele apreço se manteve resistência. Tem sempre um antes, e antes, eu havia participado de uma oficina de criação com ela e a convidei para abrir um sarau que eu tinha por aqui. Angélica é mesmo essa força, porque ela não se rende e está de olho no fluxo das coisas. Não tem medo da poesia, entende? E tasca um verso assim: “você é mulher e se de repente acorda binária e azul e passa o dia ligando e desligando a luz?”. E se você pergunta qual é a sua? Eu digo que sim, que essa menina é das minhas.


MARIA ISABEL IORIO (RJ)

Eu sempre ficava de recuperação em biologia, eu gosto muito de biologia, essa matéria do corpo. Eu sempre quis escrever sobre mulher, eu gosto muito de mulher, mas nunca soube dizer do que é feita, onde cabe, pra onde vai. Esbarrei nO útero é do tamanho de um punho e logo assustei possível, chegar, assim tão perto, do que somos e nunca seremos. A poesia da Angélica é olho da diferença. Se coloca, antes, lugar – que chance de nascimento, pra gente, é no braço – depois se abre, e extende, os dedos. Talvez não exista lá muita biologia: mas ficamos sabendo certo que a mulher, em geral, ao cuspir sentia-se muito melhor.


FERNANDA MORSE (RJ)

A ginecologista falou que meu útero é pequenininho, mas Angélica Freitas diz que um útero é do tamanho de um punho. Já sabemos em quem devo acreditar. Angélica, a propósito, assume não só o risco de ter contra si as leis das ciências biológicas mas também as leis da poesia e do machismo nosso de cada dia. Nunca me senti tão alegre com um desconforto como quando li os seus poemas. Os peritos da sacra literatura se roem e os machos se enervam enquanto Catulo goza esteja ele onde estiver. O caráter provocativo, satírico e, tantas vezes, até pueril dos poemas parece querer aplacar todo tipo de fetichização que pode existir acerca dos assuntos tratados, da imagem da mulher, da vida cotidiana, para abordá-los em sua crueza ora niilista e dura, ora cômica e nonsense.

PATRICIA LINO (PORTUGAL)

O Útero foi apresentado em Portugal pela primeira vez em 2013. Nós, as que o tínhamos podido ler antes, sabíamos o quão ele era urgente. Também sabíamos que, quando a Angélica assinava os exemplares acrescentando ao título um ponto de interrogação, “O útero é do tamanho de um punho?”, a pergunta era retórica. O Útero é de uma inteligência e sensibilidade mordazes, de um humor que faz engolir em seco — desconfortável e terno; o Útero é a representatividade pela qual, sem saber, esperei durante décadas (que foram, na verdade, séculos e milénios). É, em língua portuguesa, o começo de um novo discurso poético que vive desse ponto de interrogação: quem continuamos a deixar de fora?



REGINA AZEVEDO (RN)

O livro “Um útero é do tamanho de um punho”, da Angélica Freitas, me pegou de jeito aos 12 anos. Achei um exemplar meio escondido em uma livraria em Natal, onde as estantes de poesia parecem ser ainda menores. Na primeira página que abri, o poema “mulher de regime”, cuja personagem se chama Regina. E nos anos seguintes, nas páginas seguintes, caminhei sabendo que há muito de mim – e de todas nós – nesse livro: o útero da Angélica é um útero de muitas mulheres. É um livro pra não sair da mochila, um livro pra ser falado e lido.


GABRIELA POZZOLI (SP)

Do punho fechado ao útero, que me fazem sempre associar a luta, o título já me encantou, assim como a capa com suas costuras & rastros. “Uma mulher boa é uma mulher limpa” – aos poucos, prosseguia a leitura com meus olhos enfeitiçados e com uma espécie de raiva, me identificando com as letras e sensações, sendo eu, uma mulher feia, suja, ruim. Do que nos esperam enquanto ‘limpas’, ‘higienizadas’, ‘boas’, também me sobressalto com os papeis de gênero que não recordo de ter assinado contrato algum me comprometendo a ser, demarcados na maternidade com cores impostas que não foram minha escolha, bem como condutas. Queria eu ser mulher barbada, desconstruída de outra maneira, sem esse útero, sem esse binarismo. Demora um tanto aprender que há mulhereS, no plural. Anti-heroicas, fora do modelo, da forma, padrão. É toda uma pressa na qual desde cedo aprendemos, por amores e dores, que útero, antes de tudo, além de marcado na alma, também é arma.


ESTELA ROSA (RJ)

Conheci Angélica Freitas não sei bem como. Sei que, em um primeiro momento, o que me encantou nela foi o bigodinho. Pensava sempre no bigodinho, aquele poema do Rilkeshake, seu primeiro livro. O bigodinho era a metáfora perfeita para uma série de coisas na vida, pensava queria ter um bigodinho metafórico. Quando peguei um útero na mão (dia desses falei para uma amiga que eu tinha um útero em pdf) entendi de fato o segredo metafórico do bigodinho. Na verdade, lá atrás, um útero me disse que com bigodinho eu poderia ser uma mulher suja. Um útero, um punho e eu suja com o meu bigodinho. Podem jogar no Google: uma mulher suja é uma mulher de bigode. E com uma mulher de bigode, bem, cês já sabem.


YASMIN NIGRI (RJ)

Feminismo e poesia brasileira: impressões sobre Um útero é do tamanho de um punho
Estabeleci um contato mais estreito com a poesia em 2015, ano em que conheci Um útero, por intermédio de um amigo, numa mesa de bar. Folheei o livro e logo de cara encontrei o poema da mulher limpa, na contracapa outro poema genial falava da mulher mais ou menos bonita. Fiz campanha pra que o livro fosse estudado na oficina que eu frequentava, me comprometi a entrar em contato com a autora e convidá-la a estar presente. Angélica estava viajando, mas topou uma entrevista por email. A partir daí mergulhei cada vez mais no seu trabalho, culminando na redação de um artigo apresentado na Abralic em 2016 e uma nova entrevista feita esse ano será vinculada na Revista Caliban. Artigo: http://www.abralic.org.br/anais/arquivos/2016_1491264022.pd


ANA KIFFER (RJ)
pilhagem poética em voltagem sublime

1.flagre como os discursos tornam-se verdades e consensos; 2.saqueie esse mesmo conjunto – frases, ditados, interjeições rítmicas da infância afásica; 3.agora meu véio mostre a que veio – assuma a sua estatura. estou aí quando leio A. Freitas. antes da onda feminista de hoje. ao mesmo tempo numa certa espiral do modernismo “pau”- brasil que contra/põe o útero – em forma de punho. que apunhala os nossos clichês. deslocamento radical do sentido instituído no que há de mais vulgar – um certo ar sublime vigora nessa inversão tática: uma poética da crueza. comigo condiz. cansada do cozimento brando e incessante das nossas carnes. 



JULIA RAIZ (PR)

Quando eu abri o Um útero é do tamanho de um punho pela primeira vez, numa página aleatória, lembro de ter pensado que nunca tinha lido nada igual. Alguns anos depois, quando comecei a dar aula no cursinho solidário “Tô Passada”, iniciativa do Transgrupo Marcela Prado em Curitiba, decidi dar aula de literatura a partir da ideia de amor na poesia. Era um recorte pretencioso que começava no século XIX e chegava na produção contemporânea. A discussão mais marcante foi por causa do último poema lido: “eu durmo comigo”, principalmente, porque todo mundo cabia naquele “eu”. No mesmo dia a turma escreveu e compartilhou outros poemas sobre amor. Foi legal demais!


MICHELINY VERUNSCHK (PE)

Era 2013 e eu estava no Festival da Mantiqueira, em São Francisco Xavier, interior de São Paulo. Eu já havia lido sobre “O útero é do tamanho de um punho”, de Angélica Freitas, e o que havia lido não era nada elogioso. Numa noite, comprei o livro em uma tenda e o levei comigo. No dia seguinte, fui almoçar sozinha, o livro e eu. E o li inteiro ali mesmo e compreendi o motivo de ele ser tão atacado. Poesia em alta voltagem sobre o que é ser mulher numa sociedade patriarcal. Esse livro tem uma potência que me impressiona. É um documento importante sobre a barbárie mas, sobretudo, não perde em carga poética. É um livro para o presente e para o futuro.


BRUNA MITRANO (RJ)

lembro, com incontinência de riso aqui, do incômodo que o livro causou, como causa uma mulher suja, “porque uma mulher boa/é uma mulher limpa”, como causa “uma mulher gorda”, como causa uma mulher “gorda e bêbada”, como causa uma mulher escrevendo. “eu vim pra incomodar”, né, Karol Conka? viemos. a Angélica veio. é um levante. nada faz parar mais, não.


JARID ARRAES (CE)

Vejo “Um útero é do tamanho de um punho” como um livro de combate. Ele te diz a que veio já de cara e acho muito significativo que associe o útero à força, briga – assim, na capa. Coisa que se repete nele inteiro. É um livro de luta. Em muitos poemas, é um livro de raiva, de grito. E ao mesmo tempo tem um humor que me despertou muita identificação. Sempe acho bonito quando vejo mulheres o descobrindo porque chegam atraídas por esse tom, e aí também acabam descobrindo a poesia como uma possibilidade de ser entendida, de fugir de qualquer padrão de escrita poética, ou do que se relaciona à poesia geralmente. Percebo esse livro como uma porta que se abre para que mulheres escrevam poesia que morde, ri e ainda abre mais caminhos.


CARLA DIACOV (SP)

as mulheres de O Útero é do Tamanho de um Punho vieram se somar às mulheres que tenho espalhadas pelo corpo e pelo corpo do caminho até aqui (minha mãe, minhas avós, tias, primas, namoradas e minhas outras carlas nas fotografias dos acontecimentos). essas mulheres se instalaram, estão aqui, de mãos dadas com as minhas. essas mulheres todas estão em debate o tempo todo e lendo e relendo os poemas restauramos passagens, momentos em que me fiz valer do PunhoÚtero, da imensa força gerada desde o todo fêmea, que precisa, constantemente, estar de útero empunhado. intuitivamente e então com o livro, reconheci e pude batizar as várias ocasiões-porrada em ser mais uma mulher num mundo macho. posso afirmar que O Útero é do Tamanho de um Punho alimenta minhas tantas reentradas nesse mundo. O livro está em constante diálogo com minhas mulheres. é bonito o rebuliço.


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