Monday, December 18, 2017

No México, a ANUEE, uma associação de consumidores de energia elétrica está se transformando num movimento de mulheres


Energia e rosas
No México, uma associação de consumidores de energia elétrica [a ANUEE] está se transformando num movimento de mulheres.

. artigo de Cinzia Arruzza, professora assistente de Filosofia na New School, publicado na revista Jacobin em dezembro de 2017
. traduzido por Adelaide Ivánova na série "é doutrinação esquerdista suficiente ou tá pouco?", inventada e liderada por ela mesma
. link pro original: https://jacobinmag.com/2017/12/mexico-energy-privatization-anuee-sme 

. ATENZIONE: eu achei o texto MUITO mal-editado, no que diz respeito à cronologia dos fatos que culminaram na criação do movimento. Assim, troquei a ordem dos parágrafos, sem mudar em absoluto seu conteúdo. Confiem em mim, ficou melhor. 


essa foto de frida kahlo
não tem absolutamente nada a ver com esse artigo
é apenas pra atrair mais cliques no facebook
e PARA LEMBRAR QUE FRIDA ERA COMUNISTA
E NAO ESTAMPA DE SHOPPING BAG
#piriguetismodeguerrilha



Em 1936, o SME (Sindicado Mexicano de Eletricistas), com uma greve que deixou toda a Cidade do México sem luz, obteve uma grande vitória contra os patrões, a empresa canadense-britânica Mexican Light. Com isso, e após a nacionalização do sistema energético em 1960, o sindicato tornou-se um ponto de referência para o sindicalismo radical e politicamente independente e, nos últimos anos, promoveu a criação da Nova Confederação dos Trabalhadores (NCT) e de uma nova coligação política, a OPT (Organização Política do Povo e dos Trabalhadores), atualmente envolvida na campanha presidencial de María de Jesús Patricio Martínez, uma indígena zapatista [nota da Adelaide #1: em breve este artigo sobre ela, traduzido neste vodca!].

A atual luta pela energia pública e acessível remonta à década de 1990, quando o governo de Salinas de Gortari privatizou 40% da geração de energia, abrindo o mercado do México para empresas transnacionais com sede em Espanha.

À medida que a oposição dos trabalhadores à privatização cresceu, os desejos das elites de derrotar a oposição e abrir o caminho para seus projetos de "modernização" cresceu também. Em 2009, em uma tentativa de destruir o Sindicato, o governo de Felipe Calderón liquidou a empresa pública de energia Light and Power, enviando o exército e força policial para fechar o local. Ele deixou dezenas de milhares de trabalhadores sem emprego.

No mesmo ano, o SME convocou os consumidores a mobilizar-se contra a privatização do setor de energia, que tinha provocado aumento das tarifas de eletricidade, impossíveis de pagar. Em 2010, a ANUEE  (Assembléia Nacional de Usuários de Energia Elétrica) nasceu, fruto desta mobilização. 

Em 2013, o governo de Peña Nieto impulsionou novas reformas energéticas, incluindo uma emenda constitucional legalizando o processo de privatização. Os principais beneficiários dessas medidas são as empresas multinacionais espanholas Iberdrola, Unión Fenosa e Endesa, que colhem 70% dos lucros do setor de energia privada. No entanto, desde a negociação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), os Estados Unidos também desempenharam um papel fundamental ao pressionar os governos mexicanos na privatização de setores estratégicos.

Este é o contexto em que a ANUEE cresceu. A ideia por trás da sua criação foi combinar a luta dos trabalhadores com a mobilização no âmbito da reprodução social. A organização agora possui uma participação de mais de 100 mil famílias e pequenas empresas e organizou centenas de ações, tornando-se um importante personagem no movimento de re-nacionalização do sistema energético. Também promoveu formas de desobediência civil, convidando a população a não pagar contas de energia e bloqueando as tentativas das empresas de cortar a luz dos usuários inadimplentes. 

Ao longo dos anos, suas posições mudaram, indo de pedido de perdão de dívidas e taxas justas, para a reivindicação de energia enquanto direitos humanos, vinculando essa demanda a uma crítica mais abrangente ao capitalismo neoliberal. Em 2017, com uma ocupação de 46 dias na Comissão Federal de Eletricidade (CFE), o movimento conseguiu uma vitória importante na luta contra o aumento das tarifas.

Entre os ganhos: a promessa do governo de perdoar a dívida pendente, que em alguns casos atingiu até 15.800 dólares, e a promessa que os consumidores possam escolher qual empresa querem contratar como provedora de energia [nota da Adelaide #2: tipo como a gente faz no Brasil com nosso provedor de internet]. Isso permitiria que os membros da ANUEE fossem atendidos pela nova cooperativa da União Mexicana dos Trabalhadores Elétricos, que cobraria uma "taxa social", que garantiria o direito dos cidadãos ao acesso à energia. Até o momento da escrita deste texto, no entanto, o governo não somente não cumpriu suas promessas, como iniciou uma campanha para criminalizar o movimento.

Durante as semanas da ocupação, os ativistas da ANUEE organizaram marchas e aulas públicas, bem como uma atividade educacional de uma semana dedicada à história das lutas femininas no México. Apenas alguns meses antes, a ANUEE havia mobilizado um contingente de quatro mil pessoas para a Greve Geral de Mulheres, em março deste ano.

Isso é fundamental, porque são as mulheres que moldaram a trajetória radical da ANUEE.

[nota da Adelaide #3: ainda que a ANUEE tenha mais de 100 mil membros e que a ocupação tenha durado 46 dias e tenha conseguido tantos avanços, é MUITO difícil encontrar informação sobre o assunto nos jornais locais. Obviamente isso não é por acaso, né, mores].



Transformado através da luta
Em 11 de novembro de 2017, centenas de pessoas da ANUEE se reuniram para um evento sobre seu novo movimento feminista, no auditório do SME. Este edifício tem longa história de militância, com um mural colossal de José David Alfaro Siqueiros, que trabalhou no seu "Retrato da burguesia" entre 1939 e 1940, até ter sido forçado a fugir do país depois de participar de uma tentativa de assassinato a Leon Trotsky.




As mulheres são maioria nos protestos, e um número cada vez maior de classe trabalhadora e mulheres pobres assumem liderança da organização. Alejandra, uma jovem que se juntou à ANUEE em 2012, explicou que a maioria do movimento é feita por mulheres, porque são as mulheres que estão nas casas. Elas são as responsáveis ​​por cuidar dos membros da família, pela reprodução social e pelo sustento básico. O acesso à energia determina suas condições do dia-a-dia.

Para muitas delas, essa foi sua primeira experiência política, e uma que as transformou. Juanita, ativista de Hidalgo que se juntou à ANUEE há sete anos, descreveu como essa experiência mudou sua vida:

ANUEE me ajudou a me libertar do meu medo e lutar. Tenho filhos e estou lutando por eles, para lhes dar um teto, educação, comida. Não é fácil, mas sinto-me orgulhosa de pertencer à ANUEE. Minha filha agora me entende, meus filhos resistiram no início, mas agora eles entendem que temos que lutar por nossos direitos, pelo nosso futuro. Estamos lutando por aqueles que virão atrás de nós.

O movimento levou uma série de mulheres a sair de suas casas e começar a viver uma vida pública pela primeira vez, participar e organizar reuniões e marchas. Isso provocou uma remodelação da vida familiar e dos papeis de gênero dentro da família, embora não sem resistência dos membros da família. Ter que enfrentar essa oposição levou as mulheres ativistas a ver sua participação no movimento como contendo um significado existencial e político, o que ultrapassa a luta pela energia pública e acessível. Veronica, coordenadora voluntária da ANUEE, explicou como seus anos no movimento remodelaram sua percepção de si mesma:

Meu pai era um sexista, ele não me permitiu estudar ou trabalhar. Não tenho carreira, tenho dois filhos e um marido, e sou a única mulher na minha família. Eles não entendem meu compromisso, como eu me tornei um coordenadora e tenho reuniões, atividades. . . Antes disso, passava a maior parte do tempo com meus filhos, mas agora tenho que sair e meus filhos não entendem.

Eles estão começando a entender, porém, que eu tenho que me perceber como uma mulher. Quero ensinar-lhes que, se alguém tem a vontade, também tem o poder e que, se alguém começa alguma coisa, então precisa terminá-la. Quero ensiná-los como homens, pois a ideia deles é que as mulheres deveriam ficar em casa.

Em alguns casos, a falta de apoio de maridos e parceiros levou a separações. Esta é a experiência de Maria, que deixou seu parceiro por causa da oposição dele à participação dela, no movimento:

Faço parte da luta e não quero desistir. Estou lutando pelo bem-estar dos meus filhos e pelo futuro dos meus netos. Aprendi que é possível estar sozinha: não dependo de ninguém que possa me dizer para não ir a uma marcha ou a trabalhar, dependo apenas de mim mesma. Nós somos mulheres fortes, somos guerreiras, porque sabemos que haverá um preço a pagar, já que nada é fácil, mas quando ganhamos, quando marchamos juntas e cantamos "Sim, nós podemos"... Tudo isso vale a pena...

Para outras, como Miriam, outra coordenadora, assumir um papel de liderança, organizando protestos e reuniões, teve uma função terapêutica, após uma separação: "Isso me ajudou. Meus filhos me ajudam. Ensino-os a lutar e, agora, quando eu vou a uma marcha ou a uma reunião, eles me pedem para contar tudo sobre o que eu fiz e como foi".

Apesar do número de mulheres que participaram da organização, a ANUEE decidiu recentemente criar um comitê de coordenação das mulheres, que ainda não está incorporado no estatuto. Como explicou Rosario, uma veterana organizadora feminista, as mulheres enfrentaram resistência não apenas dentro de sua família, mas também na organização. Por exemplo, alguns ativistas do sexo masculino resistiram à introdução dos direitos e lutas das mulheres entre os temas do trabalho educacional, usaram insultos sexuais contra as mulheres que tiveram desentendimentos políticos com eles e ofereceram escasso apoio às mulheres que assumiam funções de liderança.

Além disso, ainda que o número de mulheres em cargos de liderança tenha aumentado nos últimos anos, ainda não reflete o número de mulheres que participam do movimento. Margarita, membra do órgão nacional de coordenação, informou que alguns ativistas do sexo masculino ignoraram sua liderança enquanto ela era responsável por uma ocupação. "Eles não aceitaram que eu tinha esse papel. Precisamos desempenhar nosso papel agressivamente, caso contrário, os homens não nos levam em conta, não nos respeitem ", disse ela. "Meu pai era muito sexista, mas isso me ensinou a resistir, para dizer que eu, como mulher, eu sou igual aos homens, eu valho o mesmo. Eu tenho um filho, e ele aprendeu a respeitar as mulheres ".

Este outono, a ANUEE organizou centenas de ocupações simbólicas de escritórios e plantas locais de energia. Isso culminou, no dia 16 de novembro, com uma marcha de 20 mil pessoas contra a privatização e exigir a implementação definitiva da taxa social, que a ANUEE ajudou a ganhar.

Mobilizações como essas são cruciais porque, embora o movimento tenha feito alguns ganhos, o projeto de modernização do governo está em andamento. Os organizadores pensam que, se realizado, deixará milhões de usuários sem acesso à energia. O governo também está tentando dividir o movimento, oferecendo milhares de empregos de "modernização" para trabalhadores do Sindicato, desempregados desde o fechamento da Light and Power.

Mas as mulheres da ANUEE não estão mostrando nenhum sinal de desânimo ou fadiga. Como disse Alejandra: "A luta nos ensinou a lutar, além das nossas exigências em relação à energia: estamos lutando por mulheres".




Tuesday, December 05, 2017

A mais jovem guerrilheira*



Graças aos esforços de militantes como Elena Lagadinova, as mulheres nos países comunistas gozavam de mais igualdade do que em qualquer outro lugar do mundo.

. artigo de Kristen R. Ghodsee (professora de Estudos da Rússia e Leste Europeu na Universidade da Pensilvânia) publicado na revista Jacobin (semi-eca -- mais sobre meu abuso em relação à Jacobin em breve) em dezembro de 2017
. traduzido por Adelaide Ivánova na série "é doutrinação esquerdista suficiente ou tá pouco?", inventada e liderada por ela mesma
. link pro original: https://jacobinmag.com/2017/12/elena-lagadinova-bulgaria-partisan-amazon-gender-equality




Ela provavelmente é a feminista mais fascinante da qual você nunca ouviu falar. E durante os sete anos que tive a honra de conhecê-la, ela compartilhou suas lembranças da Segunda Guerra Mundial e narrou uma história quase esquecida do ativismo das mulheres do século 20. Eu soube de sua morte súbita em um email-staccato enviado da Bulgária: a Amazona nos deixou. Sua vida abrangeu o fascismo, o comunismo e o clepto-capitalismo, mas ela nunca deixou de ter esperança.

elena com angela davis
(txoman)


"A Amazona" era o seu codinome.  Aos 14 anos, Elena Lagadinova lutou contra a monarquia aliada-dos-nazi na Bulgária, sendo a mais jovem guerrilheira mulher. Décadas depois, sua paixão ajudou a definir o movimento internacional das mulheres durante a Guerra Fria. Outrora celebrada em ambos os lados da Cortina de Ferro, depois das mudanças políticas ocorridas com colapso do comunismo, em 1989, a história de Lagadinova foi esquecida.

Nascida em 1930, Lagadinova era filha de um carroceiro. No início de 1944, ela fugiu de sua terra natal, que pagava fogo, para se juntar ao pai e três irmãos em uma brigada de guerrilheiros antifascistas. "Eu carregava minha pistola roubada numa corrente ao redor do meu pescoço", ela me disse uma vez "para eu não esquecer dela, caso fôssemos atacados enquanto dormíamos".

Quando os comunistas chegaram ao poder na Bulgária em setembro de 1944, a jovem Elena liderou a procissão de partidários vindos das montanhas, em um cavalo branco. Sua imagem foi distribuída em jornais e revistas infantis de Belgrado a Moscou. Meninos e meninas do bloco oriental eram encorajados a serem "corajosos como a Amazona!".

Mais tarde, Lagadinova obteve um doutorado em agrobiologia e trabalhou como pesquisadora até 1967, quando o líder comunista da Bulgária precisou de uma figura carismática para se responsabilizar pelo Comitê de Mulheres. Já uma heroína de guerra, uma estudiosa respeitada e mãe dos três filhos, a Amazona dedicou os próximos 22 anos de sua vida para promover os direitos das mulheres.

Ela já tinha 80 anos quando comecei a entrevistá-la, em 2010. Durante as centenas de horas que passamos sentadas à mesa da sua sala de jantar, Lagadinova me presenteou com suas histórias sobre seus esforços locais e internacionais, em nome das mulheres. Fotos, cartas, recortes de jornais e relatórios oficiais abarrotavam seus armários e gavetas, documentando lutas épicas. Os registros nos arquivos estaduais corroboravam suas memórias.

Os americanos, que hoje lutam para alcançar equilíbrio entre trabalho e família, podem se surpreender ao saber que os búlgaros já faziam progressos substanciais sobre esses problemas mais de quatro décadas atrás. Entre 1969 e 1972, Lagadinova pressionou o politburo dominado pelos homens para expandir os apoios do Estado para as mães que trabalhavam fora. Suas propostas eram dispendiosas, e o Politburo hesitava. "Se vocês não vão me dar ouvidos", disse ela, "podem me enviar de volta ao meu laboratório!".

Graças à persistência de Lagadinova, em 1973 o governo búlgaro emitiu uma lei especial que dava às mulheres uma licença de maternidade generosa (de até três anos por cada criança), com a garantia de que seus empregos seriam mantidos na sua ausência e que os anos de licença-maternidade contavam com aposentadoria. O estado também se comprometeu a construir milhares de novos jardins de infância.

Durante o Ano Internacional das Mulheres das Nações Unidas, em 1975, Lagadinova liderou a delegação búlgara. Ela distribuiu as traduções da nova lei de sua nação, promovendo a ideia de que a igualdade das mulheres não poderia ser alcançada sem o apoio do Estado. Apesar da natureza autoritária do regime, neste campo a Bulgária tornou-se um modelo para outros países e, ao longo dos anos 1970 e 1980, Lagadinova forjou uma coalizão internacional de organizações de mulheres para pressionar os governos a financiarem as licenças-maternidade e as estruturas de acolhimento de crianças.


Lagadinova (no meio)
em 1984


Depois que o Muro caiu, Lagadinova se aposentou da vida pública. Nos últimos 27 anos, ela viveu em uma sociedade que de rapidamente tornou-se hostil aos seus ideais igualitários, mas ela não sucumbiu ao desespero. "Não basta lutar contra as coisas que você odeia", ela insistiu quando a vi pela última vez em maio deste ano, "você deve lutar por aquilo em que acredita".

Para Elena Lagadinova, esse "algo" era igualdade de gênero, e a ideia de que os Estados devem apoiar as mulheres como trabalhadoras e mães. Lagadinova acreditava que os mercados livres sempre colocariam as mulheres em desvantagem devido ao seu papel reprodutivo.

A batalha pela verdadeira igualdade de gênero está longe de terminar. Mas, assim como o lançamento do Sputnik em 1957 estimulou o Ocidente a avanços científicos e tecnológicos, o ativismo das mulheres do bloco oriental, como Elena Lagadinova, provavelmente acelerou o avanço dos direitos das mulheres no Ocidente.

Os países ocidentais poderiam usar desculpas e fazer ressalvas, mas o fato é: apesar de suas muitas falhas, os países comunistas tinham maior igualdade jurídica para as mulheres e um maior apoio às mulheres como trabalhadoras. Até hoje, os Estados Unidos ainda ficam atrás do resto do mundo em aspectos fundamentais e continua sendo um dos poucos poucos países que não possuem uma lei que regule licença parental remunerada.

Em 29 de outubro, Elena Lagadinova morreu enquanto dormia, talvez ainda sonhando com uma época em que as mulheres seriam iguais aos homens. Uma Amazona caiu. Mas graças a seus esforços, há exércitos mais capazes de enfrentar a luta.




* nota da Adelaide: o título original é "The youngest partisan", sendo partisan uma palavra que eu amo em inglês mas em português tanto pode ser "membro de partido" como "guerrilheira". Já que ela era as duas coisas, usei "guerrilheira" no título, pra mantê-lo curto como o original

Friday, December 01, 2017

Por que as mulheres transavam melhor no Socialismo


. texto de Kristen R. Ghodsee (professora de Estudos da Rússia e Leste Europeu na Universidade da Pensilvânia) publicado originalmente no NY Times (eca) em agosto deste ano
. traduzido por Adelaide Ivánova na série "é doutrinação esquerdista suficiente ou tá pouco?", inventada e liderada por ela mesma
. link pro originial em inglês: 

https://www.nytimes.com/2017/08/12/opinion/why-women-had-better-sex-under-socialism.html?_r=0 


family values
chapa da amiga flávio morgado


Quando os americanos pensam no comunismo do leste europeu, eles imaginam restrições de viagem, paisagens sombrias de concreto cinzento, homens e mulheres miseráveis ​ em longas filas para comprar em mercados vazios e serviços secreto perseguindo a vida privada dos cidadãos. Embora muito disso fosse verdade, nosso estereótipo coletivo da vida comunista não dá conta da história toda.

As mulheres do bloco oriental gozavam de muitos direitos e privilégios desconhecidos nas democracias liberais da época, incluindo os principais investimentos do Estado em educação e treinamento, sua incorporação total na força de trabalho, generosas licenças-maternidade e garantia de assistência gratuita à criança. Mas há uma vantagem que recebeu pouca atenção: mulheres sob o comunismo gozavam mais.

Um estudo sociológico comparativo de alemães do leste e do oeste realizado após a reunificação em 1990 descobriu que as mulheres do leste tinham duas vezes mais orgasmos que as mulheres ocidentais. Os pesquisadores ficaram maravilhados com essa disparidade na satisfação sexual relatada, especialmente porque as mulheres da Alemanha de Leste tinham dupla jornada de trabalho -- o formal e o doméstico. Em contraste, as mulheres da Alemanha Ocidental pós-guerra ficaram em casa e gozavam de todos os dispositivos produzidos pela economia capitalista. Mas elas transavam menos e o sexo era menos satisfatório pra elas do que para as mulheres que tinham que entrar na fila para comprar papel higiênico [as do leste comunista].

Como explicar essa faceta da vida por trás da cortina de ferro?

Ana Durcheva, da Bulgária, tinha 65 anos quando a conheci, em 2011. Tendo vivido seus primeiros 43 anos sob o comunismo, muitas vezes se queixava de que o novo mercado livre impediu a capacidade dos búlgaros de desenvolver relacionamentos amorosos saudáveis.

"Claro, algumas coisas foram ruins durante esse tempo, mas minha vida estava cheia de romance", disse ela. "Depois do meu divórcio, eu tinha meu trabalho e meu salário, e não precisava de um homem para me apoiar. Eu podia fazer o que quisesse".

Dona Durcheva foi uma mãe solteira há muitos anos, mas insistiu que a sua vida antes de 1989 era mais gratificante do que a vida de sua filha, que nasceu no final da década de 1970.

"Tudo o que ela faz é trabalhar e trabalhar", disse Dona Durcheva em 2013, "e quando ela chega em casa, à noite, ela está muito cansada para estar com seu marido. Mas não importa, porque ele também está cansado. Eles se sentam juntos na frente da televisão como zumbis. Quando eu tinha a idade deles, nós nos divertíamos muito mais".

No ano passado, em Jena, uma cidade universitária da antiga Alemanha Oriental, conversei com uma jovem recém-casada, de 30 anos, chamada Daniela Gruber. Sua própria mãe -- nascida e criada sob o sistema comunista -- estava pressionando-a para ter um bebê.

"Ela não entende o quanto é mais difícil agora -- era tão fácil para as mulheres antes do Muro cair", ela me disse, referindo-se ao desmantelamento do Muro de Berlim em 1989. "Elas tinham creches e jardins de infância, e elas podiam tirar licença de maternidade sem perder seus empregos. Eu trabalho com contratos temporários, não tenho tempo para engravidar".

Essa divisão geracional entre filhas e mães que atingiram a idade adulta antes e depois de 1989 apóia a idéia de que as mulheres tiveram vidas mais gratificantes durante a era comunista. Essa qualidade de vida vinha, em parte, do fato de que esses regimes consideravam a emancipação das mulheres como central para sociedades que se auto-definiam como avançadas e "cientificamente socialistas".

madonna
bebel
e engels
(doutrina mais que tá pôco!)


Embora os estados comunistas do leste europeu precisassem do trabalho das mulheres para realizar seus programas de industrialização rápida pós-Segunda Guerra Mundial, o fundamento ideológico para a igualdade das mulheres com os homens foi estabelecido por August Bebel e Friedrich Engels já no século 19 [nota da Adelaide #1: textos como "A origem da família, propriedade privada e Estado" (Engels) e "Mulheres no Socialismo" (Bebel) são cheios de passagens problemáticas, anti-feministas e heteronormativas sob uma leitura contemporânea, mas esses textos set the tone para uma mudança radical na percepção das mulheres como sendo seres políticos e civis]. Após a tomada do poder pelos bolcheviques, Vladimir Lênin e Aleksandra Kollontai permitiram uma revolução sexual nos primeiros anos da União Soviética, com Kollontai argumentando que o amor deveria ser liberado de considerações econômicas.

(LEIAM ALEXANDRA KOLLONTAI!)

A Rússia concedeu direito de voto às mulheres em 1917, três anos antes dos Estados Unidos. Também liberalizaram as leis de divórcio, garantiram direitos reprodutivos e tentaram socializar o trabalho doméstico investindo em lavanderias públicas e cantinas populares. As mulheres foram mobilizadas para a força de trabalho e se tornaram financeiramente independentes dos homens.

Na Ásia Central na década de 1920, as mulheres russas lutaram pela libertação das mulheres muçulmanas. Esta campanha verticalizada encontrou uma violenta reação de patriarcas locais que não queriam ver suas irmãs, esposas e filhas libertas dos grilhões da tradição.

Na década de 1930, Joseph Stalin retirou grande parte do progresso qu a União Soviética tinha alcançado do que diz respeito aos direitos das mulheres -- proibindo o aborto e promovendo a família nuclear. No entanto, a grave escassez de mão-de-obra masculina que se seguiu à Segunda Guerra Mundial estimulou outros governos comunistas a avançar com vários programas para a emancipação das mulheres, incluindo pesquisa científica patrocinada pelo Estado, sobre os mistérios da sexualidade feminina. A maioria das mulheres da Europa de Leste não podia viajar para o Ocidente ou ler jornais d'uma imprensa livre, mas o socialismo científico trouxe alguns benefícios.

"Já em 1952, os sexologistas checoslovacos começaram a fazer pesquisas sobre o orgasmo feminino e, em 1961, realizaram uma conferência exclusivamente dedicada ao tema", disse Katerina Liskova, professora da Universidade Masaryk na República Checa. "Eles se concentraram na importância da igualdade entre homens e mulheres como componente central do prazer feminino. Alguns até argumentaram que os homens precisam compartilhar o trabalho doméstico e a criação de filhos, caso contrário, não haveria bom sexo".

Agnieszka Koscianska, professora associada de antropologia na Universidade de Varsóvia, me disse que os sexologistas poloneses pré-1989 "não limitaram o sexo às experiências corporais e enfatizaram a importância dos contextos sociais e culturais para o prazer sexual". Foi a resposta do socialismo para o equilíbrio entre o trabalho e a vida: "Mesmo a melhor estimulação, argumentaram, não ajudará a alcançar o prazer se uma mulher estiver estressada ou sobrecarregada, preocupada com o futuro e a estabilidade financeira".

Em todos os países do Pacto de Varsóvia, a imposição da regra do partido único precipitou uma revisão abrangente das leis relativas à família. Os comunistas investiram grandes recursos na educação e treinamento das mulheres e na garantia de seu emprego. Os comitês estatais de mulheres procuraram reeducar os meninos para aceitar meninas como camaradas e tentaram convencer seus compatriotas de que o machismo era um remanescente de um passado pré-socialista.

Embora as disparidades salariais de gênero e a segregação do trabalho persistissem e, embora os comunistas nunca tenham reformado completamente o patriarcado doméstico, as mulheres comunistas gozaram de um grau de auto-suficiência que poucas mulheres ocidentais poderiam ter imaginado. As mulheres do bloco oriental não precisavam se casar, ou fazer sexo, por dinheiro. O estado socialista encontrou suas necessidades básicas e países como a Bulgária, a Polônia, a Hungria, a Tchecoslováquia e a Alemanha Oriental comprometeram recursos adicionais para apoiar mães solteiras, divorciadas e viúvas. Com as notáveis ​​exceções da Romênia, da Albânia e da União Soviética de Stalin, a maioria dos países da Europa Oriental garantiu o acesso à educação sexual e ao aborto. Isso reduziu os custos sociais da gravidez acidental e reduziu os custos de oportunidade de se tornar mãe.

Algumas feministas liberais no Ocidente reconheceram com relutância essas realizações, mas criticaram as conquistas do socialismo estatal, porque elas não emergiram de movimentos de mulheres independentes, mas representaram um tipo de emancipação verticalizada. Muitas feministas acadêmicas hoje celebram a escolha, mas também abraçam um relativismo cultural ditado pelos imperativos da interseccionalidade. Qualquer programa político de cima para baixo, que procure impor um conjunto universalista de valores, como a igualdade de direitos para as mulheres, está seriamente fora de moda.

Infelizmente, o resultado é que muitos dos avanços da libertação das mulheres, conseguidos nos países que integraram o Pacto de Varsóvia, foram perdidos ou revertidos. A filha adulta de Dona Durcheva e a jovem Daniela Gruber agora lutam para resolver os problemas da vida profissional que os governos comunistas resolveram para suas mães, no passado.

"A República me deu a minha liberdade", disse-me Dona Durcheva, referindo-se à República Popular da Bulgária. "A democracia retirou essa liberdade". [nota da Adelaide #2: acho que aqui ela devia ter dito "capitalismo", néam].

Quanto a Daniela Gruber, ela não tem ilusões sobre as brutalidades do comunismo da Alemanha Oriental; ela simplesmente deseja que hoje em dias "as coisas não fossem tão difíceis".

Porque elas defendiam a igualdade sexual -- no trabalho, no lar e no quarto -- e estavam dispostas a fazer dela uma imposição, as mulheres comunistas que ocupavam cargos no aparelho estatal poderiam ser chamadas de imperialistas culturais. Mas a libertação que elas impuseram transformaram radicalmente milhões de vidas em todo o mundo, incluindo as de muitas mulheres que ainda caminham entre nós como mães e avós de adultos nos atuais membros democráticos da União Européia. A insistência das camaradas sobre a intervenção do governo pode parecer pesada à nossa sensibilidade pós-moderna, mas às vezes as mudanças sociais necessárias - que logo se vê como a ordem natural das coisas - precisam de uma proclamação de emancipação de cima.